GioMAS 25/06/2023
A outra face da guerra.
A obra reúne depoimentos de mulheres soviéticas sobre a segunda guerra mundial, valendo-se de técnica jornalística para organização e transcrição das entrevistas.
Ao iniciar o livro, embora o tema me seja atrativo e de grande interesse, imaginei que não seria uma leitura fácil, afinal de contas - pensei - são páginas e mais páginas de um compilado de relatos, não de uma história linear, como estou habituada.
Pensamento para lá de equivocado.
A leitura é instigante, dinâmica, repleta de fatos curiosos sobre a vivência da guerra, além de trabalhar o tema sob uma perspectiva inovadora - a guerra sob o olhar feminino, não das mulheres que, restritas ao ambiente doméstico, aguardaram o retorno dos familiares, mas as soldadas, as combatentes. Mulheres que se alistaram ainda jovens, sensíveis e inexperientes, porém detentoras de invejável determinação. Mulheres cuja personalidade foi forjada pela Revolução e, depois, pela guerra em si
Isso mesmo, ao contrário do amplamente propagado na cultura capitalista ocidental, a guerra não foi feita apenas por homens. O Exército Soviético contava com bravas, competentes e idealistas soldadas de infantaria, pilotas de tanques e aviões caça, enfermeiras, médicas, comandantes de linha de frente, fuzileiras, chefes de operação de comunicação e, também, é claro, cozinheiras, lavadoras etc.
A estruturação do texto confere a linearidade necessária à persuasão do leitor. Embora não seja uma narrativa convencional, os relatos são organizados cronologicamente, perpassando pelo período de instabilidade que antecede a guerra, o sentimento de medo das famílias, a obstinação na defesa da nação, o alistamento, a adaptação à rigidez militar, o sexismo, os combates, as vivências no front, a relação ambígua com os soldados homens, as perdas, fome, mutilações, a invasão do exército nazista à Rússia, o receio da derrota e, por fim, a vitória, sua anunciação, a marcha para tomada da Alemanha ("Aí está ela, a maldita Alemanha!"), o retorno para casa, a reconstrução do país, o tratamento ingrato, segregativo e misógino conferido às combatentes no pós guerra.
Em meio a tudo isso, o livro aborda com leveza e sensibilidade as percepções subjetivas de cada uma das entrevistadas, preservando aspectos da linguagem informal oral para traduzir a carga emocional, sobretudo nos trechos que dissecam memórias sobre amores, traumas, estupro, abandono, ausência de paramentação militar compatível com a estrutura corporal feminina, medo, solidão, morte, ideologia política e decepções com o regime Soviético.
A temática também nos faz refletir sobre a desvalorização da mulher idosa na sociedade, o seu silenciamento, a forma como subjugamos suas experiências, por mais extraordinárias que sejam.
Assumindo o risco de soar cansativa, estendendo demasiadamente a resenha, há que se falar da beleza dos ideias comunistas - presente nas entrelinhas de cada um dos depoimentos que compõem a obra. A Alemanha nazista ruiu pelas mãos de mulheres e homens Soviéticos que acreditavam em um ideal, que lutaram pela Revolução em seu próprio país e não se omitiram perante uma ameaça maior. Mulheres e homens que lutaram não por Stálin, mas por um modelo de sociedade igualitária e justa.