Camis 12/08/2020Fiquei surpresa por ter gostado tantoFeios é uma distopia diferente de todas as que já li. O mundo como conhecemos acabou. Somos conhecido no mundo de Nova Perfeição como "Os Enferrujados", pela grande quantidade de metal que utilizamos (ou utilizávamos, no caso), e que agora nada mais passam de ruínas de cidades gigantescas. Depois do "grande evento" que gerou quase a extinção dos humanos, as pessoas finalmente perceberam que não era possível levar a vida como antes, destruindo o meio ambiente, desmatando, poluindo, e, principalmente, guerreando.
Assim, a fim de extinguirem o que havia de pior na raça humana, foi desenvolvida uma espécie de procedimento cirúrgico, ao qual todos os adolescentes são submetidos ao completarem 16 anos. Esta operação possui como objetivo deixar todas as pessoas com aparência física perfeita, eliminando diferenças físicas entre os humanos, e, assim, fazendo-os tão parecidos uns com os outros fisicamente que os fazem entender que ninguém é melhor do que ninguém. Exceto quanto se trata dos feios.
Feios são consideradas as pessoas que ainda não passaram pela operação, ou seja, aqueles que ainda não completaram 16 anos. Após o procedimento, os Feios se tornam Perfeitos e são realocados da Vila Feia, onde vivem desde os 12 anos, para a cidade de Nova Perfeição, onde passam a viver uma vida regada a festas e felicidade, com zero preocupações ou problemas, afim, finalmente se tornaram lindos. Ou melhor, Perfeitos.
Tally é uma Feia, está a poucas semanas do seu aniversário de 16 anos, e seu grande sonho é passar logo pela operação para se reunir com seus amigos antigos, um em especial, que agora vivem em Nova Perfeição e não mais mantém contato com ela. Todavia, as coisas começam a sair do eixo quando Tally conhece Shay, uma outra Feia da Vila Feia que também está aguardando o próprio aniversário.
Shay, diferentemente de Tally, não acredita na história de que todos são feios até a operação, ela possui a ideia “liberal” de que todos já são perfeitos do jeito que são, com suas característica próprias, e que ter o cabelo brilhoso, os olhos grandes, o nariz pequeno, e a pele lisa e clara, dentre outras característica, não os tornará “Perfeitos”, mas sim, eliminará aquilo que os fazem especiais: sua individualidade.
O problema surge quando Shay, às vésperas do seu aniversário, decide fugir para a Fumaça, uma antiga “lenda” sobre pessoas que fugiram de Vila Feia, em busca de uma vida não qual não sejam obrigados a passarem pela operação. Assim, quando Tally finalmente é levada para o hospital para viver a cirurgia que tanto sonha, as autoridades já estão atrás de Shay, e, agora, a única forma de Tally conseguir ser operada, e finalmente se tornar Perfeita, será fazer o impossível para encontrar Shay, descobrindo a localização da cidade de Fumaça, e entregá-los às autoridades.
Confesso que durante o livro inteiro fiquei do lado de Shay. Até agora, mesmo sabendo todos os detalhes da operação, permaneço com uma certa dúvida se a cirurgia é tão ruim assim. O livro de Scott Westerfeld nos faz refletir o que seria um “mundo perfeito”. Nova Perfeição pra mim é a representação quase que exata disso: uma cidade totalmente biosustentável, não existe mais desmatamento ou poluição, não existem guerras, racismo, disputadas de qualquer tipo, altamente tecnológica, a todos são fornecidos em igualdade e abundância tudo aquilo que necessitam para viverem de maneira quase que luxuosa... E, ainda por cima, todos são fisicamente lindos.
Se não fosse por um pequeno detalhe (que eu não contarei porque não quero ninguém dizendo que soltei spoilers hahaha), Nova Perfeição seria, de fato, perfeita.
De maneira geral a leitura é leve, dinâmica, flui de uma maneira que prende o leitor. Você termina um capítulo sempre querendo saber o que vai acontecer em seguida, sem falar que todas as “novidades tecnológicas” inventadas pelo autor são realmente impressionantes e fazem a gente querer viver em um mundo como aquele.
Confesso que demorei anos para finalmente ler este livro, que estava na minha estante o tempo todo, mas quando iniciei a leitura, não consegui mais parar. Tally não é o tipo de personagem que se faz de vítima, ou que está sempre precisando de alguém para defendê-la. Na verdade, ela é dona de si, aventureira e corajosa. É o tipo de personagem que faz a gente compreender as dúvidas que a cercam, e que, quando toma uma posição, em quase 100% das vezes nos faz pensar que “bem... eu no lugar dela faria igual”.
O livro de Scott tem, de forma implícita e explícita, o grande questionamento acerca da individualidade física de cada um, o quão bem nos sentimos com nós mesmo, ainda que a sociedade nos impõe um padrão diferente, o quão importante é conhecer pessoas que te acham belo (por dentro e por fora) da nossa própria maneira, e como é difícil resistir a se encaixar no padrão de beleza social para que sejamos admirados pelos outros.
Por diversas vezes me peguei pensando que eu também gostaria de passar pela operação, mesmo com todas as contraindicações do procedimento, o que me fez refletir até que ponto vai nossa vaidade e nossa vontade de sermos aceitos.