Fernanda631 29/12/2022
Belgravia
Belgravia foi escrito por Julian Fellowes e foi publicado em abril de 2016.
A trama tem início no mês de Junho de 1815, às vésperas da Batalha de Waterloo que transformaria a vida de muitos jovens devido a seu desfecho sangrento. Como meio de prestar uma homenagem ao Duque de Wellington, que comandaria as tropas britânicas contra Napoleão, a Duquesa de Richmond oferece um baile em Bruxelas, convidando boa parte do exército e os nobres que estavam na cidade na ocasião para participar dos festejos.
O que James Trenchard, fornecedor de mantimentos para o exército, não imaginava é que sua própria família seria convidada para o glamouroso baile. James, trabalhador e homem de negócios esforçado, sempre sonhou com o dia em que sua família ascenderia socialmente e coloca todos os seus sonhos nas costas de sua filha, a bela Sophia, que compartilha dos mesmos desejos do pai.
Embora a família Trenchard tenha prosperado por seus próprios esforços, a mania de grandeza de James o faz sempre seguir adiante, aspirando um casamento vantajoso para sua filha que possa colocá-los dentro do círculo restrito da nobreza.
Anne, esposa de James, apesar de ter sido educada com esmero por sua família, é mais realista no que se refere a entrar para um círculo social do qual não fazem parte, e não compartilha de tais sonhos. Anne se orgulha dos esforços do marido no trabalho, mas está plenamente satisfeita com a posição que a família ocupa atualmente.
Sophia, uma jovem bonita e inteligente, que se apaixona por Edmund, sobrinho da duquesa de Richmond, ele é um cavalheiro de uma classe muito superior à que ela pertence, mas que parece ser correspondida por ele.
Antes do baile terminar, no entanto, chega a notícia de que Napoleão invadiu o país e todos precisam correr. É nesse contexto em que a jovem Sophia Trenchard precisa se despedir do galante Lord Edmund Bellasis, herdeiro de uma das famílias britânicas mais proeminentes da época. No entanto, a jovem pensa ter descoberto uma trama infame por parte de Edmund para seduzi-la, e toda a história que acompanharemos a seguir parte desse momento.
A trama salta 25 anos no tempo e agora, em 1840, começamos a descobrir os desdobramentos do segredo que Sophia descobriu e como isso impactará na vida de todos os envolvidos, da família Trenchard até a família Bellasis.
Não posso negar que Julian Fellowes trabalhou com esmero em Belgravia. Toda aquela atmosfera idílica está presente aqui.
Os personagens são carismáticos e é possível se importar com a maior parte deles, mas a trama e o mistério envolvendo o que Sophia descobriu em 1815 é bem simples e fácil de descobrir. Tanto que me incomodou muito o fato dos envolvidos na história terem demorado um quarto de século para começar a pensar sobre o incidente em Bruxelas.
De qualquer forma, mesmo com a trama óbvia, consegui me divertir por alguns momentos enquanto lia: a mãe de Edmund Bellasis, Lady Caroline Brockenhurst, é uma personagem fantástica e a energia e determinação dela são implacáveis. É possível dizer o mesmo de Anne Trenchard que apesar de ser mais gentil e amável do que Lady Caroline, é tão forte e decidida quanto à outra.
O fato é que muito da trama de Belgravia se desenrola por conta das personagens femininas: o segredo que Sophia descobriu, as ações de Anne e Lady Caroline quando entendem o que aconteceu 25 anos depois e o amor que Lady Maria Grey sente pelo comerciante de algodão Charles Pope. As mulheres não se deixam conduzir pelos costumes da época e pegam as rédeas das próprias vidas - e isso é digno de nota para o autor.
As mulheres de Belgravia são fortes, determinadas, extremamente bem construídas. Anne Trenchard nos conquista com sua simplicidade e praticidade. Ela é condescendente e entende as ambições do marido e mesmo não concordando com a necessidade do reconhecimento social, ela participa de todas as situações em que sua presença é necessária. Arrisco dizer que Anne é a grande protagonista da história e que desempenha um papel de pilar, sustentando a honra de todas as demais famílias da obra.
Lady Caroline, que em alguns raros momentos de complôs e intrigas, é a perfeita representação da nobreza. Uma mulher de poucos sorrisos, esnobe, preocupada com a posição social e sempre propensa a diminuir as classes inferiores.
Belgravia pode ser uma boa porta de entrada para quem não comhece muito do gênero drama histórico e pode encantar alguns leitores com suas descrições detalhadas e elegantes.
Orbitando ao redor dessas figuras, temos os familiares (filhos, noras, amigos, cunhados, sobrinhos) que vão tecendo os suspenses necessários para que a grande questão da obra seja resolvida. E como não poderia faltar, o núcleo dos empregados com fofocas e intrigas num mesmo estilo de criação.
Belgravia tem dois núcleos de personagens cujas histórias se entrelaçam para compor a trama. De um lado a família Trenchard, comerciantes cujo patriarca, James, busca avidamente a ascensão social e o reconhecimento nos círculos nobres. De outro, Lady Caroline, a Condessa de Brockenhurst, uma mulher enlutada pela perda do filho em Waterloo que endureceu seu coração para o mundo.
Os pais do garoto, Caroline e seu marido Peregrine Bellasis, perderam o sentido da vida quando perderam seu único filho e agora precisam se contentar em ver o título, a herança e todo o legado da família Bellasis ser passado para John, seu sobrinho arrogante e ganancioso.
James e Anne Trenchard também tentam esconder sua decepção, pois o filho mais novo deles, Oliver, não se interessa pelos negócios da família, e se casou com Susan, uma garota irritante e mimada que só quer ascender socialmente. Mas, mais do que lamentar a perda de Sophia, que morreu pouco depois de Edmund, James e Anne guardam um segredo e arrependimentos profundos.
O elo que vai unir classes sociais tão distantes para a época é o fato da filha dos Trenchard, Sophia, ter se envolvido amorosamente com o falecido herdeiro de Caroline.
Entretanto, mais do que tristeza, os Bellasis e os Trenchard guardam desprezo uns pelos outros. Caroline não suporta que seu filho tenha sido seduzido por Sophia e que sua família burguesa tenha prosperado ainda mais nos vinte anos que se passaram. Já Anne odeia lembrar que sua filha foi enganada por Edmund, que forjou um casamento com a garota apenas para tê-la em sua cama.
Contudo, Anne se odeia ainda mais por, vinte anos antes, ter entregado o filho dos dois, e seu neto, para ser criado por desconhecidos. A mulher não suporta mais carregar a culpa por ter abandonado o neto e, um dia, vendo a tristeza de Caroline por ter perdido seu filho, Anne acaba revelando esse segredo para ela. Assim, as duas famílias acabam se entrelaçando em uma trama de intrigas, segredos e mentiras em meio aos bairros mais nobres de Londres.
Inveja, ganância e desejo de vingança também entrarão na história.
Temos aqui direito a embates “culturais” entre pessoas de diferentes classes sociais, brigas entre irmãos, traições entre cônjuges, alpinistas sociais tentando conquistar espaço onde apenas o sangue nobre tem vez, disputas por herança, homens vidas mansas mimados que vivem para gastar o dinheiro que não é deles e, em meio a tudo isso, um romance fofo para aliviar um pouco o clima. Mas já aviso que ele se desenvolve de forma bem condizente com a época, sem nenhum dos arroubos ardentes de paixão a que estamos acostumados na maioria dos livros do gênero.
O drama ao qual os personagens vão se submetendo no decorrer da história é bem clichê, mas isso não diminui em nada as qualidades da obra. Julian Fellowes tem um talento ímpar para não somente descrever cenas e personagens, mas para nos transportar para o ambiente em que tudo se desenrola.
Em poucas páginas já conseguimos facilmente nos sentir dentro dos cenários e íntimos das aflições e sentimentos de cada personagem. Sua narrativa nos faz ser depositários de segredos e confidentes de angústias. A maior qualidade de Belgravia é nos transformar em testemunhas oculares da vida daquelas famílias e nos deixar órfãos quando a última página é virada.
Um ponto que curti muito é que aqui não ficamos focados apenas nas famílias importantes, mas também na criadagem, que tem um papel importante e ativo na história. A ambientação é impecável, Julian Fellowes realmente consegue nos transportar para a Londres dos anos 1840, especialmente o recém-nascido bairro de Belgravia, com direito à aparição de personalidades da época que realmente existiram.
Belgravia é uma história sobre ambição. Em maior ou menor grau, todos os personagens são movidos por atos de ambição: ascensão social, dinheiro, poder ou reconhecimento.