Bia1644 14/11/2023
Uma mulher é uma mulher
Poucos livros retratam a realidade feminina como "Dias de abandono". No início pode parecer apenas a descrição da vida pacata de uma mulher com dois filhos, em um relacionamento de 15 anos com seu marido, marido esse que um dia acorda e decide que acabou. Pra ele o amanhã como um casal é inviável. A partir desse momento é esperado a descrição dos desafios de um divórcio, e no fim das contas é muito mais do que isso. Elena Ferrante consegue descrever com muita facilidade o sentimento de abandono, de ser trocada, de não existir mais para uma pessoa a qual você dedicou toda a sua vida.
Eu tinha posto de lado as minhas aspirações para acompanhar as suas. Quando podem as mulheres serem felizes? Quando podem as mulheres levarem uma vida harmoniosa, mesmo que movimentada?
De repente descobre-se que, talvez, você não soubesse nada sobre a pessoa com quem dormiu durante 15 longos anos e parece que tudo se sabe sobre você e eu detestava a ideia de que ele soubesse tudo de mim enquanto eu sabia pouco ou nada dele.
Quando a tormenta passa a se tornar uma realidade e os dias são tomados por questionamentos de o que deu errado e como resolver a situação, o monstrinho da psicose começa a crescer no inconsciente, azul e pequenino, começa a tomar conta de qualquer corpo. Ignora-se a mulher que fora formada durante anos, dando espaço para alguém irreconhecível, nem a si mesmo se conhece porque o rosto e a pele sobre a carne, o que são enfim, uma cobertura, um disfarce, um blush, que cobre as estranhezas do viver. Quando a fúria toma conta de um corpo, antes considerado frágil, é evidente que precisa ser liberada de alguma maneira, principalmente depois de tantos dias de tormento. Uma mulher pode facilmente matar alguém na rua, no meio da multidão, pode fazê-lo com mais facilidade do que um homem. É plausível que muito se fale sobre as mulheres abandonadas, é importante, no entanto, se lembrar de sua resiliência. Torna-se o oito de espadas, a vespa qe pica, a cobra escura, o animal invulnerável que atravessa o fogo sem se queimar. Tudo de ruim é desejado a Mário. Como ousa esquecer que tinha uma esposa, filhos? Alguma péssima doença tinha que lhe acometer, uma podridão por todo o corpo, o odor fétido da traição.
Em determinado momento, até mesmo os filhos de Olga passam a tratá-la como se todos os problemas do mundo fossem sua culpa. Olga estava doente, sua doença era a vida feminina que ficou fora de uso, até para seus próprios filhos. No fim do dia, a pobre coitada abandonada acorda, vai trabalhar, e retoma sua vida aos poucos, mesmo após os episódios traumáticos de sua história. Uma mulher é uma mulher.