Davi Busquet 01/12/2020
Tal como o passado dizia
Máquinas assassinas atravessando vastas extensões de terras rurais, semeando destruição e morte em seu caminho; cidades, das pequenas às maiores, engolidas pelas chamas e pelo efeito de armas superiores; invasores impiedosos, sedentos por sangue e conquista, marchando sobre a Inglaterra, a Europa e o mundo, com sua tecnologia bélica avançada e a certeza de que o conquistado não é nada além que uma raça inferior e plausível de domínio. Os obsoletos canhões britânicos não dão conta, suas tropas são dizimadas aos milhares, e a população civil, apavorada, foge da obliteração e de um inimigo que declarou guerra ao mundo.
Por mais que esse possa parecer um cenário histórico da Primeira ou Segunda Guerra Mundial, com a poderosa Alemanha nazista massacrando a todos com sua blitz Krieg, armamentos e estratégia superiores — enquanto as demais nações agonizam com seus equipamentos e táticas do final do século XIX —, na verdade se trata da invasão do planeta Terra por marcianos, descrita de maneira detalhada e cativante pelo visionário da ficção científica, H.G. Wells.
Muito mais do que sinalizar para seus leitores como uma civilização alienígena, embora superior, pode ser cruel, imperialista e insensível, Wells anunciou o cenário caótico no qual a Europa mergulharia poucos anos depois, durante a Primeira Guerra Mundial, reafirmando ainda mais sua alcunha adquirida tantas décadas depois, de escritor futurista — sempre inspirado por uma imaginação visionária e inspirando as gerações subsequentes de escritores e leitores.
O próprio raio da morte descrito na obra, usado pelos marcianos para vaporizar humanos em seu caminho, seria o prenúncio da tecnologia laser; e os gases tóxicos usados para limpar trincheiras e fortificações, envenenando e matando soldados, quase parece que Wells estaria falando das armas químicas usadas na Europa poucos anos depois.
Sem contar, é claro, a narrativa acerca do pânico coletivo nas cidades no entorno de Londres (e até mesmo nela própria). Esse pânico, inclusive, foi realmente reproduzido de maneira quase integral, quando Orson Welles leu trechos desse livro em uma rádio nos Estados Unidos em 1938, sendo confundido por uma notícia real, e não parte de um programa de entretenimento.
A história, tanto a de Wells quanto a do mundo real, mostra claramente — quando as notícias sobre a aproximação de invasores chegam e a população se vê acuada, as autoridades impotentes e todo e qualquer ser humano se agarrando aos instintos mais básicos de sobrevivência — como começam as agressões, os roubos, saques e o canibalismo: o espírito humano individual e violento despido da sua frágil máscara de civilidade. Tal como dizia Wells.
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