spoiler visualizarLet 15/01/2017
Boa Noite?
Acho que a primeira coisa que preciso dizer é que eu não odiei o livro. Na verdade, eu achei que a ideia era ótima e tinha tudo para ser uma história maravilhosa, não só sobre feminismo, sororidade, abuso sexual mas uma história sobre Alina aprendendo a ser uma mulher independente.
O problema foi a execução. Acredito firmemente que não foi a ideia da Pam ofender ninguém com esse livro, e sim mostrar que todo tipo de gente existe e todo tipo de gente sofre. Mas a pegadinha tá exatamente nisso: ao tentar retratar as dores de todo mundo (racismo, lgbtqfobia, classicismo, machismo, assédio sexual, gordofobia) ela acabou se perdendo no próprio mundo. Infelizmente um livro tão curto jamais conseguiria retratar com a profundidade necessária a luta diária dessas pessoas, e temo dizer que seria melhor se ela tivesse focado no tema principal.
Antes que me ataquem, pois sei que estou sendo "a pessoa que não gostou de um livro adorado", vamos deixar claro algumas coisas: eu sou bissexual, eu fui vítima de abuso infantil e eu sou gorda. Não precisa me explicar que o livro está tentando fazer algo pelo mundo em que vivemos, eu tenho plena noção disso. A questão é essa; meia representatividade não é representatividade. Eu não me senti representada na Manu, que diz coisas como "cansei de homem, agora só ficarei com mulheres" (porque bissexualidade não é um botão que você liga e desliga quando está com vontade), e eu não me senti representada pela Luana, pois tirando sua mãe, nós nunca vemos nenhum outro conflito a respeito do seu peso. Eu estudei numa faculdade particular, eu tinha amigos bolsistas (eu mesma fui por um tempo beneficiada pelo governo, #foratemer), então a falta de empatia que as meninas tinham em relação ao problema da Julia era tão... feio? Enfim, esse foi um problema menor, mas que se tivesse sido bem executado (ou talvez cortado numa revisão) talvez tivesse melhorado o resto do livro.
O bullying, por exemplo, aconteceu pouquíssimas vezes, tão pouco que quando rolava eu não sentia muita coisa, e é tão decepcionante isso. Ainda mais por ter várias amigas em cursos de exatas que vivem me dizendo como as mulheres acabam sendo as que sobrevivem mais tempo na sala de aula. Se era pra mostrar o machismo em forma de professores e alunos, deveria ter mostrado até o fim, porque, novamente, pela metade não adiantou.
O romance não me convenceu por vários motivos, mas para ser mais sucinta: eles não conversavam antes. Eles não tinham amizade, cumplicidade, nada... Só trocavam olhares intermináveis, e isso para mim não é suficiente para investir na história deles. Principalmente pelo fato do Gustavo ter feito tão pouco ao saber com quem a Alina se relacionava.
Chegando no que mais me irritou no livro: ele duvida não só da minha inteligência, como da inteligência dos seus personagens. Começando no básico, a amiga vítima de estupro de Alina vai a festas frequentadas (e às vezes na casa) do próprio estuprador. Eu não sei com quantas pessoas a Pam conversou, e o quanto ela pesquisou com vítimas reais, falando com elas sobre o assunto, porque isso é simplesmente um absurdo. Eu não consigo nem colocar em palavras o como não faz sentido, por mais baladeira que Manu fosse. Não há festa no mundo que seja boa o bastante para relevar o fato de que a pessoa que te embebedava e abusava de você está lá, rindo a suas custas, te provocando. É uma falta de autopreservação enorme, e a não ser que a Manu fosse masoquista, simplesmente não condiz com a atitude de um ser-humano. Continuando com Manu, mais uma vez, ela não precisava contar que foi estuprada para conseguir uma boa desculpa pra que Alina não saísse com Artur. Ao descobrir que ele era amigo do estuprador dela, a menina não faz nada. Fica decepcionada, só isso. Não conta que "uma amiga me disse", nada. Ela deixa a amiga, de dezoito anos, sair para sabe-se lá onde com esse cara. E, meu deus, se tem algo que eu aprendi com anos de culpa reprimida é que eu nunca deixaria isso acontecer com outra menina. E, por favor, eu não estou culpando a Manu, ou qualquer vítima de estupro. Jamais! O que eu quero dizer é que eu não acho que esse comportamento condiz com o de uma pessoa como ela. E para mim foi o jeito mais fácil de ela conseguir prolongar o plot do livro. Tem Gustavo, claro, que diz que a história do irmão não era dele para ser dividida. E não era mesmo. Mas ele podia, mais uma vez, inventar uma terceira pessoa. Confidenciar "olha, Alina, seu peguete fez isso e isso com alguém próximo a mim, e eu acho melhor você não sair com ele". Qualquer coisa que não fosse "toma cuidado", pq esse toma cuidado não serviu de nada. Nem o fato de Luana não achar estranho todo fim de semana uma menina fugir da casa dela atordoada. Ou ninguém comentar sobre os estupros até 74% do livro (eu li no kindle). Não ter um coletivo feminista numa universidade grande também não... Ter a menina forte como aquela com o plano para por fim na cultura do estupro, enquanto as vítimas ficam para escanteio também me deixou chateada. Ter dois personagens lgbtq, e os dois terem pais horríveis, e os dois terem que sofrer tanto... Pra que, Pam? Sério, eu sei que sua intenção foi boa, mas às vezes a gente não precisa só de miséria, às vezes um pouco de amor e esperança é tudo o que a gente mais precisa. E eu não senti isso. Eu senti que os coadjuvantes viraram tokens (objetos) na mão de uma protagonista cuja personalidade mudava a cada capítulo, e que ela os usava para se sentir melhor a respeito das suas boas ações e compaixão. Eu senti que a mudança da Alina não foi de "menina quieta a mulher forte e independente" mas de "mosca morta a garota rude".
Infelizmente eu acho que a necessidade de abordar tudo cegou a autora, e ninguém captou isso no trabalho editorial do livro. Ou se captou, achou que seria melhor assim, pois venderia mais. De qualquer maneira, por ser uma escritora pouco experiente, foi um tema muito arriscado para se colocar, e embora mereça o reconhecimento por isso, Pam falhou em vários aspectos. Por deixar o plot principal para o fim do livro, principalmente.
Eu não recomendaria para alguém mais velho, pois é uma história que falta muita profundidade. Mas para pré-adolescentes e adolescentes, acho que servirá mais. No livro têm ótimas lições, e várias coisas a se aprender sobre respeito e empatia, uma pena ter sido perdido numa bagunça ao tentar conquistar todos os nichos de pessoas.
No fim do dia, eu jamais vou odiar uma mulher por tentar expor a cultura do estupro. Fico feliz por ela ter feito, e espero do fundo do coração que ela evolua como escritora, para quem sabe, fazer mais livros com temáticas provocantes e necessárias. É nítido como Pam quis fazer uma coisa boa, e isso é admirável. Infelizmente ela se perdeu no caminho.