Mari 09/05/2017
"Nel Abott já vinha brincando com fogo - era obcecada pelo rio e seus segredos, e esse tipo de obsessão nunca acaba bem."
A Garota no Trem foi um livro que me envolveu demais. Por isso, quando Em Águas Sombrias foi anunciado, Ansiedade passou a ser meu nome do meio. Graças ao Grupo Editorial Record - que me enviou um exemplar do livro de surpresa - pude ler o livro antes do lançamento mundial e ele conseguiu me deixar acordada durante toda uma madrugada, me fez sonhar com a trama e ainda deixou frases marcadas na minha memória. Acho que, só por isso, já dei para perceber como foi uma ótima leitura, não?
"Há quem diga que essas mulheres deixaram algo de si na água, outros, que a água retém parte do poder de cada uma, pois desde então tem atraído para suas margens as desventuradas, as desesperadas, as infelizes, as perdidas. Elas vêm aqui para nadar com suas irmãs." p. 45
Beckford é uma cidade na Inglaterra cercada por um extenso rio. Um trecho dele, em especial, sempre despertou o interesse de Danielle Abott e o receio de grande parte da população. Isso porque o local, que fica logo abaixo de um penhasco, é chamado de Poço dos Afogamentos, uma vez que muitas mulheres foram encontradas mortas ali ao longo dos séculos. Nel então passa sua curiosidade para o papel e começa a escrever um livro sobre o rio, a cidade e seus habitantes, até que ela se torna uma das mulheres do rio.
"O rio pode voltar ao passado, trazer coisas à tona e cuspi-las na margem diante dos olhos de todos, mas as pessoas não podem." p. 95
Paula Hawkins é uma autora e tanto. A Garota no Trem possui uma premissa intrigante, porém ela consegue ir muito além. Já em seu novo lançamento, Em Águas Sombrias, ela já deixa claro na curta sinopse que algo simples pode ser uma coisa muito grandiosa e vai ainda mais além. Sua escrita parece ainda mais madura e sua narrativa, seja em primeira ou terceira pessoa, se mostra ainda mais envolvente. Os capítulos são curtos, te fazem querer virar mais e mais páginas e os 14 pontos de vista diferentes tornam a história ainda mais interessante.
"— Não há momento melhor que o presente — disse ele." p. 145
Alguns personagens se abrem mais facilmente para os leitores, enquanto outros nos farão analisar as barreiras que os cercam antes de tentar quebrá-las. A autora faz de tudo para que você não confie em ninguém, principalmente porque acabamos nos dando conta de que nenhum personagem é apenas o que mostra ou o que outra pessoa vê dele. A dúvida é inevitável, mas o envolvimento é certo. Cada um dos personagens, da sua maneira, irá acrescentar algo para o enredo e se verá envolvido com pelo menos um dos mistérios que surgem ao longo da trama. Sem falar que suas vidas acabam sendo ligadas de uma forma ou de outra, então é impossível não se ver empolgado com todo o vinculo.
Entre os personagens que se destacam estão Jules, Lena, Louise, Erin, Sean, Josh e Nickie. Jules é uma mulher receosa e confusa, Lena é uma jovem rebelde, forte e leal, Erin é uma policial relaxada porém atenta, Sean é um homem estranho e cheio de segredos e fraquesas, Josh é um menino que parece mais novo por conta do medo e Nickie é uma mulher especial e poderosa que traz toda uma novidade e curiosidade para a trama. Isso porque ela é uma médium. Nickie conversa com mortos, escuta o rio e acaba reprimida, sem tanta oportunidade de se mostrar. Ou, talvez, ela mesma não queira isso por ter seus próprios motivos...
"Às vezes, mulheres encrenqueiras cuidam umas das outras." p. 170
A dedicatória do livro vai "para todas as encrenqueiras". Os desejos e as motivações das mulheres ao longo dos séculos acabam sendo abordador por Paula Hawkins. A questão de serem apenas mulheres que aparecem no rio, que são assassinadas ali ou se suicidam naquele local... o que será que todas elas – com vidas, idades e atitudes diferentes – poderiam ter em comum? A autora nos leva até o século XVII, nos faz pensar sobre os avanços e as dificuldades das mulheres que querem se impor, que querem seguir seus desejos e alcançar um lugar de destaque. Talvez muitas pessoas não entendam o diferencial disso ou o propósito de Hawkins, contudo espero que isso não aconteça tanto. Ela vai desde esposas maltradas pelos maridos até mulheres determinadas que causam medo por serem exatamente quem elas gostariam de ser, passando por mulheres que se relacionam com homens mais velhos, mulheres traídas que não culpam seus maridos por seus atos, amantes que se sentem bem com suas posições e etc.
Temos também toda a questão da investigação da morte de Nel. Jules, sua irmã, está segura de que ela não se jogou, ao mesmo tempo em que sua filha afirma que o desejo da mãe foi realizado e Nickie vai contra tudo e contra todos afirmando que tudo isso é muito mais complexo do que as pessoas se permitem acreditar. Acabamos sendo envolvidos na morte de Katie – uma jovem que teve o mesmo destino de Nel anterorimente – também e, de repente, é como se fizéssemos parte do elenco, como se fossemos moradores de Beckford. Será que eles teriam motivos para acabar com seu projeto, com sua vida? Será que ela estava desvendando segredos demais?
Pensei em dar 4,5 estrelas para o livro porque acredito que a autora poderia ter se aprofundado um pouquinho mais na realidade de Nickie (falando sobre seu dom, sua irmã, seus conhecimentos...) e nas verdades de Erin e Hellen – duas personagens que, apesar de tudo, ainda parecem incógnitas para mim. Também seria ótimo poder encontrar mais de Libby no início da história, assim como conhecer os motivos para que Nel não desistisse de sua irmã, que tanto quis evitá-la durante tantos anos. Mantive as 5 estrelas porque não é como se esses pontos fazessem falta ou atrapalhasse o desenrolar, pelo contrário, são assuntos/personagens que charam minha atenção e eu gostaria de saber mais.
Em Águas Sombrias é um thriller repleto de personagens bem construídos, de desconfiança e de sofrimento. Paula Hawkins te faz ficar acordado sem querer parar a leitura e lembra do perigo de guardar sentimentos e palavras apenas para si. A vontade que tenho agora é de visitar Beckford, procurar a casa do moinho, passar pela casa dos Ward, pisar na lama do rio e até nadar nele. Sem dúvidas uma leitura eletrizante, misteriosa e viciante.
site: http://www.magialiteraria.net/2017/05/resenha-em-aguas-sombrias-paula-hawkins.html