La Oliphant 01/06/2018
Nossas Noites não é nem de longe um livro que eu leria sem uma indicação, escolhendo por conta própria em uma livraria. Acredito que, assim como você, a zona de conforto literária é suficiente com todos esses livros de romance adolescente e fantasia a nossa disposição. Por isso, quando fiz a leitura de Nossas Noites, um livro completamente fora da minha zona de conforto, eu fiquei completamente surpresa com o enredo criado por Kent Haruf. Nossas Noites não apenas um romance, mas uma carta de amor para todos aqueles que já envelheceram e todos aqueles que ainda vão envelhecer. Um enredo simples, poético, capaz de envolver o leitor da primeira até a última linha.
Nossas Noites conta a história de dois idosos, Addie e Louis que, há muito, não tem a companhia de outra pessoa que não sejam seus próprios filhos. A vida dos dois é solitária, pacata, limitada a cidade onde vivem e as pessoas que conhecem. Tudo muda quando Addie resolve ir à casa de Louis fazer a proposta de que eles passem as noites juntos. Não de uma forma sexual, apenas pela companhia, pelo trazer de ter alguém com quem dividir as noites solitárias. No começo, Louis acha a proposta estranha, mas acaba aceitando e conforme os dias passam, a amizade e o companheirismo entre ele e Addie cresce, mas não demora muito até eles precisarem lidar com as más línguas da cidade.
Eu não esperava que Nossas Noites fosse me encantar e me surpreender da forma que aconteceu. Quando eu recebi o livro tinha todo o tipo de expectativa em cima da história, mas a escrita de Kent Haruf é completamente diferente de tudo o que eu li até hoje e me pegou de surpresa, uma surpresa boa da qual eu nunca vou me arrepender. Nossas Noites foi uma leitura completamente fora de tudo o que eu estou acostumada, o enredo tem uma estrutura de escrita completamente diferente, os personagens são construídos de uma forma diferente e a escrita de Haruf é a benção literária que eu tanto estive esperando.
“Estou adorando, disse ela. Está sendo melhor do que eu esperava. É uma espécie de mistério. Eu gosto da amizade que estamos criando. Gosto do tempo que passamos juntos. De ficar aqui no escuro da noite. Das conversas. De ouvir você respirar ao meu lado quando eu acordo.”
Sabe quando dizem que você precisa encontrar o livro certo para fazer você gostar de um gênero ou de um tipo de leitura? Nossas Noites foi exatamente isso na minha vida literária. A narrativa de Kent Haruf é livre de longas descrições e travessões ou pontuações extremas. A leitura flui através de diálogos entre os personagens principais onde, por mais incrível que pareça, você consegue identificar quem está falando o que sem que o autor precise te dizer isso. Aliás, o autor não te diz nada, mas os personagens sim. O enredo nada mais é do que navegar no que os personagens têm a dizer, sem se aprofundar em informações desnecessárias, apenas o necessário para que você se envolva e se emocione com a história que está sendo contada.
Essa foi a primeira vez que eu me deparei com uma leitura com uma estrutura completamente diferente. Eu não tinha travessões, eu não tinha aquelas longas descrições do ambiente, da cidade e de todas aquelas coisas que normalmente só estão ali para ocupar espaço no enredo. Em Nossas Noites eu não precisei de nada disso. Eu estava na companhia de Addie e Louis e o que eles me contavam, o que eles conversavam eram suficientes para que eu me emocionasse, para que eu conseguisse entende-los e sentir junto com eles. Nossas Noites não é uma história cheia de altos e baixos irreais, aqueles que te provocam emoções pesadas. O livro é uma narrativa simples sobre o que é viver, errar e mesmo depois de anos ainda desejar o amor como se fosse a primeira vez.
“Quem imaginaria que, a essa altura da vida, nós ainda poderíamos ter algo desse tipo? Que afinal ainda existe, sim, espaço para mudanças e entusiasmos na nossa vida. E que nós ainda não estamos acabados nem física nem espiritualmente.”
Addie e Louis são personagens que representam todos nós. Eu, você e as pessoas que você conhece. A história deles nada mais é do que uma mensagem deixada pelo autor sobre como o amor não se perde com o tempo. Eu me envolvi no sentimento deles, na forma como eles ainda conseguiam descobrir coisas mesmo depois de já terem visto muita coisa. Haruf escreveu um livro que mostra a vida muito além do que nós exploramos até hoje, uma vida onde você não precisa se limitar ao que dizem a você, onde você pode continuar buscando e desejando algo novo até o seu último suspiro. E se isso não é a coisa mais linda que um autor pode fazer por nós, eu realmente não sei o que seria.
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