WillZoka 31/10/2021
Qual o som do Piano Vermelho?
Dedico ao som, tão assustador e necessário:
Há você que sempre existirá dentro de mim como a voz de um fantasma
O fantasma de uma música dedicada
O fantasma de uma voz partilhada
O fantasma de um instrumento dedilhado
O fantasma da voz das memorias
O fantasmas da voz do que foi, e do que virá.
Qual o som do piano vermelho?
Todos nós já tivemos histórias que nos marcaram de alguma forma. Desde as positivas que carregamos para sempre e contamos ou dedicamos a outras pessoas, até aquelas ruins seja pela tosqueira, ou pelo potencial desperdiçado. E neste caso, Piano Vermelho do autor Josh Malerman se encaixa na categoria “potencial jogado fora”, com uma história fraca que tenta ser maior do que realmente é.
“Ex-ícones da cena musical de Detroit, os Danes estão mergulhados na apatia. Sem emplacar nenhum novo hit, eles trabalham trancados em um estúdio, enchendo a cara e tentando criar algo novo. Tal rotina é interrompida por um funcionário dos Estados Unidos, com um convite para uma viagem até um deserto na África para investigar um som desconhecido que carrega em suas ondas um enorme poder de destruição. A banda é liderada pelo pianista Philip Tonka, que misteriosamente seis meses depois vai parar em um hospital em coma, onde a enfermeira Ellen irá cuidar dele e presenciar sua melhora rápida e assustadora tanto do coma quanto dos ferimentos que destruíram seus ossos.”
Alternando entre passado e presente, o livro consegue segurar nossa atenção pelos mistérios de cada momento da narrativa e como elas se encontraram no final.
No primeiro momento, seis meses antes, acompanhamos Philip e os Danes em sua rotina de criação e bebedeiras até o instante em que tudo muda e irão até o deserto investigar o suposto som, que após ouvirem o mesmo pela gravação de uma fita, percebem que ele possui certas qualidades de abalar uma pessoa seja pela perca dos sentidos, vômitos, perda da noção de espaço e tempo e até, em casos de muita exposição, morte. Já no presente, Tonka se encontra no hospital onde os médicos usam de uma droga muito forte para forçar sua melhora, recobrando assim a memória do que ocorreu quando o grupo esteve no deserto.
O grande problema da história é que ela parece não saber pra onde ir. Começando de um jeito desinteressante pela falta de profundidade da maioria dos personagens e suas ambições. Seguindo em seu desenvolvimento, a história cresce, cresce, e não entrega o que promete. Temos uma presença assustadora envolta do som, seu mistério, o que causa, o porquê, como ele consegue afetar as pessoas dessa forma letal, consequentemente vamos criando teorias, acompanhando os passos de cada personagem em meio a fantasmas, bodes e uma mistura de ficção cientifica. Porém, temos uma história que decepciona tanto no desenvolvimento dos personagens quanto no seu mistério. Poucos são os personagens que conseguem ser memoráveis, dignos de alguma atenção ou preocupação, a história parece querer chegar apenas do ponto
A até B e do meio pro fim não parece se importar com as explicações que fará para o que foi imposto ou não, e simplesmente encerra com pressa e usando de artifícios ridículos.
Trazer temas como o exército americano preocupado com o som e o que ele pode fazer com as armas só se mostra relevante para criar uma filosofia sobre guerra e paz mais furada que peneira velha, tal ponto poderia ser aproveitado para falar sobre as consequências da guerra na vida dos soldados sobreviventes, dos traumas e como eles lidamos com isso, e também a arte na vida das pessoas e como tanta energia ruim pode acabar criando uma força sobrenatural que age de maneiras fora da nossa compreensão onde não importa nossos esforços, sempre seremos inferiores em cada atitude.
Mas nada disso é explorado.
O livro não é aprofundado, os personagens coadjuvantes não tem personalidades, são estereótipos ou nem isso, só estão ali para terem algumas falas rasas e fim, se somem ou não, se morrem ou não, se ficam vivos no fim ou não, nada disso importa porquê eu nem sei realmente quem são eles.
A personagem com mais desenvolvimento e a que senti um apego foi Ellen, com um trauma mais desenvolvido dá pra comprar a ideia de que ela quer ajudar Philip e tem algo a superar. Porém mesmo ali o livro cria um romance que é jogado e não sabe o que fazer com ela, ou ele demora acontecer ou quando acontece é rápido demais, no fim, se trata apenas de um artificio para que a história chegue onde ela precisa chegar.
Acredito que a história deveria ter se preocupado em criar um núcleo pequeno de personagens e acontecimentos sem se focar em guerras americanas ou segredos conspiratórios do governo. Assim focando apenas na banda e em suas famílias, nas consequências de um pequeno sucesso até o esquecimento, do álcool, das drogas e as perdas em suas vidas, e ai sim trazer o conceito e surgimento desse som misterioso capaz de despertar o que há de pior no ser humano montando um paralelo da guerra que travamos fora e dentro de nós.
Apesar dos pontos negativos saírem por cima dos positivos aqui, devo citar que o mistério vale a história, a vontade de descobrir o que acontece e aconteceu consegue ser bem trabalhada e temos alguns poucos momentos que coisas bizarras acontecem, mas para descobrir qual o som que vem do piano vermelho temos que estar dispostos a perdoar o todas as falhas e encarar suas 315 páginas com um final raso se não deprimente.