Os despossuídos

Os despossuídos Ursula K. Le Guin
Ursula K. Le Guin
Ursula K. Le Guin
Ursula K. Le Guin




Resenhas - Os Despossuídos


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gleice 16/10/2023

Publicado em 1974, podemos notar que toda essa distopia utópica pode ser encontrada em locais muito mais pertos e reais: a própria guerra fria que marcou a divergência ideológica entre anarquismo e poder de estado, capitalismo e socialismo? Tudo isso reflete nos conflitos entre a população de Urras e Anarres.
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Evy 11/10/2023

Incomum e maravilhoso!
Publicado em 1974, "Os Despossuídos" explora temas sociais, políticos e filosóficos complexos que reverberam até os dias atuais. A simplesmente genial Úrsula K. Le Guin, que se tornou uma das minhas autoras favoritas de ficção científica, usa a distopia e a utopia para analisar as implicações de sistemas políticos e econômicos em suas sociedades fictícias. Vale ressaltar que é situado no mesmo universo ficcional de A mão esquerda da escuridão, outro clássico da autora que recomendo demais a leitura.

A história se desenrola em um cenário futurista e envolve os planetas gêmeos Anarres e Urras. Enquanto Urras é um mundo de abundantes recursos com extremos de riqueza e pobreza e guerras políticas, Anarres é um planeta recluso e anarquista cuja visão utópica cria uma ilusão de sociedade perfeita. A trama se concentra em Shevek, um físico teórico de Anarres, que busca quebrar as barreiras do isolamento de seu planeta e compartilhar seu conhecimento científico com o mundo mais desenvolvido de Urras.

Vale ressaltar os importantes temas abordados nessa narrativa simplesmente brilhante de Le Guin que traz os contrapontos de duas sociedades totalmente opostas e levanta reflexões sobre comunicação, colaboração e isolamento. O livro explora o conflito entre o individualismo e o coletivismo e como esses ideais podem se chocar e influenciar o desenvolvimento das sociedades e sua brilhante autora ainda desafia a ideia de utopia, mostrando que mesmo em uma sociedade que busca a igualdade e a justiça, existem desafios e contradições a serem enfrentados.

Não à toa, "Os Despossuídos" é amplamente considerado um clássico da ficção científica e da literatura utópica/distópica. Através de uma narrativa complexa e rica em detalhes, Ursula K. Le Guin convida os leitores a refletir sobre questões políticas, sociais e filosóficas, enquanto conta uma história cativante sobre um homem que busca superar fronteiras e construir um mundo melhor.

Os Despossuídos recebeu o prêmio Nebula em 1974 e os prêmios Hugo e Locus em 1975.
Leitura mais do que recomendada, essencial.
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Annaplima 09/10/2023

"O jeito de ver como a terra é bela é vê-la como a lua. O jeito de ver como a vida é bela é vê-la da perspectiva da morte."
"Só quando um ato ocorre dentro da paisagem do passado e do futuro é que ele é um ato humano. A lealdade, que garante a continuidade do passado e do futuro, agregando o tempo numa totalidade, é a raiz da força humana; não se faz nada de bom sem ela."
"O bom de trabalhar a favor do tempo, e não contra ele, pensou, é que não há desperdício. Até a dor conta."
Esperava mais do livro. Cansativo!!!
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Loiza 03/10/2023

Livro maravilhoso e único. Realmente uma obra que transcende o gênero e provoca debates.

Pena que o final ficou corrido, gostaria de mais páginas.
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Sabrine 01/10/2023

"A verdadeira jornada é o retorno"
Simplesmente perfeito!
Não tem como descrever um livro que é feito das experiências de uma pessoa, um homem de outro planeta face a outros planetas. Fronteiras, muros e descobertas...esse livro é incrível!
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urbenave 26/09/2023

Uma aula
Ursula disfarça suas histórias de ficção científica, mas o que ela nos apresenta são textos carregados de filosofia, antropologia, taoismo e especulação fantástica.
Os Despossuídos é uma história belíssima sobre liberdade, lealdade e família. Sobre ter e ser.
Crítica cortante à sociedade, Le Guin dá uma aula de contar histórias complexas, mas de um jeito leve.
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Simone 25/09/2023

Utópico
Esperava uma pouco mais de ficção científica, mas encontrei muito fantasia. Gostei. No começo a leitura tava um pouco empacada, acho que pela escassez de informação. No decorrer da narrativa as coisas vão se encaixando e foi exatamente isso que mais me prendeu atenção e me manteve firme na leitura. Amei a estratégia de desenvolver a narrativa sem uma linha temporal linear. Ela fica indo e vindo na história e o fim do livro está temporalmente (numa perspectiva linear) ligado ao começo.
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André Vedder 19/09/2023

Os que constroem muros são seus próprios prisioneiros.
Não tenho muito o hábito de ler obras de ficção científica, mas ao menos aqui em "Os Despossuídos", posso me considerar um privilegiado pela rica experiência que foi toda a leitura.
Ursula K. Le Guin dá uma aula sobre anarquismo, capitalismo e demais ideologias de classes, sem em nenhum momento parecer enfadonha, pelo contrário, através de uma brilhante ambientação de mundo por ela criada, o leitor avança no enredo satisfeito e ávido por mais.
Sua narrativa é muito bem estruturada, tendo os capítulos separados por presente em um planeta (Urras) e passado noutro (Anarres), e assim a autora vai nos dando informações sobre a trajetória do personagem, como também nos apresentando cada território e suas características, então o leitor vai juntando as peças até completar o mosaico final.
"Os Despossuídos" é muito mais que uma boa história, contém muita filosofia e questões sociais atemporais. Acredito ser uma obra que merecia muito mais páginas, ou pelo menos uma continuação.

"Quando se vê uma coisa por inteiro, a distância - ele disse - ela sempre parece bonita. Planetas, vidas...Mas, de perto, um mundo é feito todo de terra e pedras. E, dia após dia, a vida é um trabalho árduo, você se cansa, perde a perspectiva. Você precisa da distância, do intervalo. O jeito de ver como a terra é bela é vê-la como a lua. O jeito de ver como a vida é bela é vê-la da perspectiva da morte."

"Tinha visto com frequência essa ansiedade os rostos dos urrastis, e isso o intrigava. Seria porque, por mais dinheiro que tivessem, sempre se preocupavam em ganhar mais, a fim de não morrerem pobres? Seria culpa porque, por menos dinheiro que tivessem, sempre havia alguém mais pobre? Qualquer que fosse a causa, aquela ansiedade conferia aos rostos certa uniformidade, e ele se sentia muito só entre elas."

"Odo escreveu: "Uma criança livre da culpa da posse e do fardo da concorrência econômica crescerá com a vontade de fazer o que for necessário fazer, e com a capacidade de alegrar-se em fazê-lo. É o trabalho inútil que entristece o coração. O deleite da mãe que amamenta, do estudioso, do caçador bem-sucedido, do bom cozinheiro, do criador talentoso, de qualquer um que faça um trabalho necessário e o faça bem - essa alegria duradoura talvez seja a fonte mais profunda de afeto humano e de sociabilidade como um todo".

"Os que constroem muros são seus próprios prisioneiros."
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Ramond 10/09/2023

Viva la revolucion
Machismo é ruim, burguês é ruim. Viveríamos bem melhor sem essas coisas cringe, então pau 🤬 #$%!& do capitalismo e legaliza já
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Alex.Lima 29/08/2023

Deslumbrante
Amo esse tipo de leitura, me recomendaram esse livro durante a faculdade de economia mas nunca tinha parado pra ler, por sorte encontrei ele na promoção na Amazon e foi umas das melhores aquisições que fiz, o universo que essa mulher criou é deslumbrante. Economia, política e uma dose de Star Trek, tudo de bom.
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andre96g 28/08/2023

Ótimo para começar
O livro é excelente. A maneira como a autora mostra ambas as sociedades, capitalista e anarquista ao memso tempoq. Nos faz nos afeiçoado aos personagens, mostrando pq elws fazem oq fazem e nos deixando curiosos acerca do universo em q a trama acontece é simplesmente espetacular. Uma leitura que te faz pensar e refletir constantemente
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Gabriel.Chiquito 13/08/2023

Essa é uma das melhores ficções científicas que eu já li. A autora criou uma história complexa, com um tema que chama muito para a leitura e um enredo envolvente que prende a atenção.

A história se desenvolve em dois períodos diferentes ao mesmo tempo (combinando com a base da teoria temporal apresentada pelo protagonista), ambos muito bem escritos, com mundos muito bem construídos, e que chegam ao clímax juntos (quando a linha do tempo se liga e a história completa do livro é contada).

Cada um dos períodos acontece em um sistema econômico diferente, e Ursula consegue explorar muito bem como o cerne da natureza humana afeta e deforma essas sociedades da utopia para a realidade, mostrando isso através das inadequações e conflitos internos de Shevek, o protagonista.

É também um livro com conceitos científicos bem simples, mais próximo da metafísica que da tecnologia, e por isso deixo como uma ótima recomendação até mesmo pra quem não gosta do gênero.
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Dani Gundes 06/08/2023

Para degustar, digerir e refletir...
Achei muito interessante como este livro me despertou sensações e como a autora conseguiu ilustrar os pontos positivos e negativos do anarquismo e do capitalismo apresentados na trama. Uma sociedade anarquista pode "dar certo" em um lugar onde ninguém tem nada, todos são nivelados por baixo, todos são pobres e o planeta, árido. Tudo é compartilhado, ninguém 'egoísa', todo mundo faz o trabalho sujo, todo mundo se ajuda. Mas, pelo visto, a solidariedade têm limites: a fome. Nesta situação, os anarrestis ativam o modo "farinha pouca, meu pirão primeiro". E o que falar da falta de privacidade e de reconhecimento profissional? Do isolamento voluntário ser mal visto? Parece que a utopia anarquista fica com cara de distopia e o mundo Urras se torna uma opção sedutora. Afinal, porque não merecemos, todos, o luxo? Reconhecimento profissional depois de anos de dedicação seria um caminho natural, como a abundante paisagem de plantas e animais do planeta alienígena. Mas para uns serem ricos, outros terão que os servir. Quem servirá aos ricos? E as mulheres? Não podemos desconsiderar cerca da metade da espécie! Ou será que podemos? Que tal serem nossas bonecas de luxo?! E por aí vai... Remexeu seu estômago por aí? Porque o meu sim, e os meus neurônios também!!
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Rodrigo.Rodrigo 23/07/2023

Apesar do livro trazer alusões ao embate do sistema capitalista e sistema comunista, o verdadeiro ensinamento é que o ser humano precisa evoluir muito para atingir um sistema econômico e social aceitável.
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Carlos762 09/07/2023

Em outro planeta está a porta; em nossas mentes está a chave
Confesso que quando minha amiga Ana Paula me emprestou o livro "Os Despossuídos", da autora Ursula K. Le Guin, eu não tinha grandes expectativas. Um livro de ficção científica, em que há vida inteligente em 9 planetas diferentes e que fazia algumas leituras críticas da história da humanidade não era novidade pra mim. Quem leu a série Fundação , do Isaac Asimov, sabe do que estou falando. Porém, o que encontrei nessa obra-prima da Ursula Guin foi um sopro de vida, de esperança e de frescor, num mundo em que convivemos cotidianamente com o contrário: com a morte, com os tons de cinza da rotina e com um ar que nos faz espirrar a toda hora.

Ursula conta a história de Shevek, um físico da lua Anarres. Nessa história, a lua Anarres é uma colônia "anarquista" do seu planeta Urras. Urras, por sua vez, possui um sistema parecido com a guerra fria terrestre do século XX: um país "socialista" (Thu) e várias nações capitalistas, das quais a principal é A-lo. Essa configuração poderia dar muito errado, recaindo em estereótipos, superficialidades e preconceitos. Não é o que ocorre.

A autora imagina tão bem o quanto uma possível sociedade "anarquista" plenamente desenvolvida pode parecer, que tudo nessa sociedade que nos é "estranho", é narrado de forma muito natural. Por exemplo: as ideias de competição , propriedade e prosperidade individual (em detrimento do outro) são tão estranhas a Anarres, que , quando os adultos querem dar broncas nas crianças, eles a reprimem dizendo que estão "egoizando".

Em Anarres não há polícia , advogados, juízes , nem prisões. Também não há ladrões , golpistas ou assassinos. Isso faz com que coisas muito comuns para nós pareçam muito estranhas para eles. Por exemplo:

"Eles tinham extraído a ideia de 'prisões' de episódios de A Vida de Odo, que todos os que tinham optado por estudar história estavam lendo. O livro tinha muitos pontos obscuros, e não havia ninguém em Campina Vasta que soubesse história para elucidá-los; porém, quando chegaram aos anos de Odo no forte de Drio, o conceito de 'prisão' tornara-se óbvio. E quando um professor itinerante de história veio à cidade, esclareceu o assunto, com a relutância de um aluno decente obrigado a explicar obscenidades a crianças. Sim, ele disse, prisão era um lugar onde o Estado punha as pessoas que não obedeciam às suas leis. Mas por que elas simplesmente não iam embora do lugar ? Não podiam ir embora, as portas eram trancadas. Trancadas ? Como as portas de um caminhão em movimento, para você não cair, burro ! Mas o que eles faziam dentro de uma única sala o tempo todo ? Nada. Não havia nada para fazer. Vocês viram fotos de Odo na cela da prisão em Drio, não viram ? A imagem da paciência desafiadora, a cabeça grisalha inclinada, as mãos cerradas, imóvel nas sombras abusivas. Às vezes os prisioneiros eram condenados a trabalhar. Condenados ? Bem, isso significa que um juiz, uma pessoa a quem a lei concedia o poder, ordenava que fizessem algum trabalho braçal. Ordenava ? E se não quisessem fazer? Bem, eles eram obrigados; se não trabalhassem, apanhavam. Um calafrio de tensão percorreu as crianças que ouviam, todas entre 11 e 12 anos de idade, que nunca tinham apanhado, nem visto ninguém apanhar, exceto num acesso de raiva imediato e pessoal." (P.42-3)

Além do fim do Estado, Anarres é um lugar em que também não há classes sociais. Odo, a idealizadora da comunidade "anarquista", que escreve a respeito da realização do ser humano através do trabalho poderia ser facilmente confundida com um influencer do LinkedIn nos dias de hoje:

"Uma criança livre da culpa da posse e do fardo da concorrência econômica crescerá com vontade de fazer o que for necessário fazer, e com a capacidade de alegrar-se em fazê-lo. É o trabalho inútil que entristece o coração. O deleite da mãe que amamenta, do estudioso, do caçador bem-sucedido, do bom cozinheiro, do criador talentoso, de qualquer um que faça o seu trabalho e o faça bem - essa alegria duradoura talvez seja a fonte mais profunda de afeto humano e da sociabilidade como um todo"(P.244)

Com exceção da primeira parte dessa citação, todo o resto é dito e repetido todos os dias pelos chefes, ideólogos do sistema dominante e times de "engajamento" das empresas modernas, numa tentativa de ganhar os corações e mentes dos trabalhadores para a ideia de que é possível uma realização pessoal completa através do trabalho. Ora, é possível isso hoje ? É possível uma realização completa se trabalhamos em empresas cujo eixo central (por mais que tenham a assim chamada "Agenda ESG") continua sendo a produção de lucro ? Em que, ao invés de um planejamento que vise ao bem-estar social, produzimos cada vez mais , esgotando o nosso meio ambiente e produzindo fome , enquanto há comida o suficiente para alimentar vários planetas Terra ?

Ainda sobre o meio ambiente, a autora faz uma observação bastante sagaz. Escrito em 1974, o movimento ambientalista estava apenas surgindo. Porém, nesse universo, o planeta Terra existia e a sua embaixadora dizia, a respeito do destino desse mesmíssimo planeta:

"Meu mundo, minha terra é uma ruína. Um planeta devastado pela espécie humana. Nós nos multiplicamos, nos empanturramos e brigamos até não sobrar nada, e então morremos. Não controlamos nosso apetite nem nossa violência; não nos adaptamos, nos destruímos. Mas destruímos nosso planeta primeiro. Não sobrou nenhuma floresta na Terra. O ar é cinza, o céu é cinza, está sempre quente. É habitável, ainda é habitável, mas não como este planeta. Este é um mundo vivo, uma harmonia. O meu é dissonância. Vocês, odonianos , escolheram um deserto; nós, terranos, criamos um deserto. Nós sobrevivemos lá, como vocês sobrevivem. As pessoas são resistentes ! Somos quase meio bilhão agora. Já fomos 9 bilhões. Ainda se pode ver as antigas cidades por toda parte. Os ossos e tijolos viraram pó, mas os pedacinhos de plástico, jamais…" (p.340)

O ponto que mais me surpreendeu nesse livro foi o quanto os personagens são revolucionários. E revolucionários no sentido de questionar sempre, radicalmente, se o mundo em que vivem atualmente faz sentido. E isso vale para qualquer sistema social: capitalista, "socialista" ou "anarquista". Inclusive, sobre o "socialismo real", cabe uma citação em que concordamos integralmente com a personagem Shevek:

"- Mas vocês são hierarquistas. O Estado de Thu é ainda mais centralizado que o Estado de A-lo. Uma única estrutura de poder controla tudo: governo, administração, polícia, exército, educação, leis, comércio, manufaturas. E vocês têm a economia baseada em moeda.
-Uma economia baseada no princípio de que cada trabalhador é pago pelo que merece, pelo valor do seu trabalho… Não por capitalistas a quem ele é obrigado a servir, mas pelo Estado, do qual ele é membro!
- É o trabalhador que estabelece o valor de seu próprio trabalho?
- Por que não vai a Thu para ver como funciona o socialismo real?
- Eu sei como funciona o socialismo real - respondeu Shevek. - Eu poderia falar sobre isso com vocês, mas o seu governo me deixaria explicar, em Thu ?" (P. 138)

Mesmo na sociedade "anarquista" , a inércia social, o comodismo e a rotina podam talentos brilhantes, como o próprio físico Shevek - que vai pra Urras justamente para desenvolver a sua própria pesquisa - e o seu amigo de infância Dab, que diz:

"Mas você falou em sofrimento físico, de um homem morrendo, com queimaduras. Eu falo de sofrimento espiritual ! De pessoas vendo seu talento, seu trabalho, suas vidas sendo desperdiçadas. De mentes inteligentes se submetendo a mentes burras. De força e coragem sendo estranguladas pela inveja , pela cobiça por poder, pelo medo da mudança. Mudança é liberdade, mudança é vida… Existe alguma coisa mais básica ao pensamento odoniano do que isso ? Mas não existe mais mudança! Nossa sociedade está doente. Você sabe disso. Você está sofrendo dessa doença. Dessa doença suicida !" (P.166)

A leveza com que a autora narra episódios que parecem extremamente corriqueiros para nós é extremamente bela. Você consegue imaginar do que se trata a descrição a seguir ?

"Shevek despertou com os sinos da torre da capela repicando a Primeira Harmonia para o serviço religioso de manhã. Cada nota era como uma pancada na cabeça. Estava tão enjoado e trêmulo que por um bom tempo não conseguiu sentar na cama. Pôde finalmente se arrastar até o banheiro e tomar um longo banho frio, que aliviou a dor de cabeça; mas o corpo todo continuava a lhe parecer estranho - a lhe parecer, de algum modo, repulsivo. Quando começou a ser capaz de pensar de novo, fragmentos e momentos da noite anterior vieram-lhe à mente, vívidos, cenas breves e absurdas da festa na casa de Vea. Tentou não pensar nelas, e não conseguiu pensar em mais nada. Tudo, tudo se tornou repulsivo. Sentou-se à escrivaninha e ficou sentado Aki por meia hora, com os olhos fixos, imóvel, totalmente desolado."(P.267)

Pois bem: trata-se da boa e velha ressaca. No planeta de Anarres o consumo de álcool era praticamente inexistente e, quando Shevek bebe pela primeira vez (cabe dizer: tentando fugir da realidade opressiva em que se encontrava, no momento, no planeta de Urras), ele experimenta esse terrível efeito colateral que muitos de nós conhecemos.

Hoje, mais do que nunca , vivemos uma "Era dos Extremos", como diria Eric Hobsbawm. Por um lado, a ultra-direita, que quer manter o mundo mais cinza, mais hipócrita, menos livre e mais desigual. E, hoje em dia, quer isso de maneira muito mais violenta do que há dez anos. De outro, dentre os que querem mudar, há alguns que param no meio do caminho revolucionário: acham que é possível mudar o sistema por dentro , sem mudar as regras do jogo. Por outro, ainda, há os saudosos do que foi a ditadura soviética, que se apropriou de um movimento revolucionário legítimo e o transformou no seu oposto, na Era Stalin. Nós achamos que a obra de Ursula bate em todas essas falsas alternativas. É profundamente revolucionária, profundamente anti-dogmática e, o que é mais importante, profundamente humana.

A obra de Ursula não é apenas mais uma obra de ficção científica. Em primeiro lugar, porque foi uma das primeiras mulheres a fazer sucesso no setor. Em segundo lugar, porque é uma obra que fala do futuro, não do passado, como muitos sucessos de venda baseados no mundo medieval. E, em terceiro lugar, porque fala de um futuro construído e protagonizado por toda a sociedade humana, não apenas por cientistas super-dotados, como acontece em muitas outras obras (como do próprio Asimov!). Encerro essa resenha com um discurso do cientista Shevek, em uma manifestação protagonizada por vários desses "invisíveis" que, do passado , reivindicam o futuro:

"É o nosso sofrimento que nos une. Não é o amor. O amor não obedece à mente e transforma-se em ódio, quando forçado. O laço que nos une vai além da escolha. Somos irmãos. Somos irmãos naquilo que compartilhamos. Na dor, que cada um de nós deve sofrer sozinho, na fome, na pobreza, na esperança, sabemos que somos irmãos. Sabemos, pois tivemos de aprender. Sabemos que não há ajuda para nós exceto a ajuda mútua, que nenhuma mão vai nos salvar se não estendermos a nossa mão. E a mão que vocês estendem está vazia. Vocês não têm nada. Não possuem nada. Não são donos de nada. Vocês são livres. Tudo o que vocês têm é aquilo que vocês são, e aquilo que dão."(P.294)
Sharon 23/07/2023minha estante
Também gostei muito do livro. Estou digerindo ainda. É enorme em ideias, não é? Alguns trechos tocaram fundo no meu coração, outros me deram palavras para explicar minhas próprias percepções.




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