Carlos Souza 20/01/2023
"A pedra não pode chegar até a árvore."
Minha Nossa Senhora da Bicicletinha...
Mais uma vez, Ursula K Le Guin fez seu nome.
Eu já havia lido "A mão esquerda da escuridão" no ano passado, e, já na primeira experiência me tornei fã dos livros da autora. Nesse livro temos inúmeras discussões explícitas e implícitas. Ambos os tipos de debates são fantásticos, mesmo que cansativos em alguns momentos. Realmente, Ursula faz uso da sua metáfora mais conhecida, talvez, e, que moldou uma série de influências na Ficção Científica no geral, ou seja, refiro-me ao famoso texto sobre como os autores devem "mentir" o suficiente para, em seus respectivos universos, gestarem verdades e críticas sociais.
Em "Os despossuídos" temos uma trama direcionada ao cenário científico e que reflete/problematiza os embates realizados nos "micro-cosmos" de cada campo disciplinar. O personagem principal em si, demonstra-nos até que ponto um pesquisador moldado e versado em ideias "humanísticos"/disseminadores do conhecimento pode enfrentar problemas frente ao princípio da "propriedade privado do conhecimento" e da oposição ao pensamento excludente do Estado. Le Guin, sendo ela quem é, aciona uma série de conhecimentos teóricos de seu tempo para ao decorrer da obra "fantástica" demonstrar como a aplicação de medidas restritivas ao desenvolvimento científico está diretamente ligada ao processo de manutenção das desigualdades sociais.
Ao decorrer do livro, todos os debates acima citados são situados em um ambiente diplomático/conflituoso de duas sociedades (maneira mais simples de explicar) que podem ser entendidas como "etapas" diferentes dos princípios éticos e morais. Sendo assim, Shevek (originário de Anarres) começa uma espécie de expedição para fortalecer os laços/criar contatos com o planeta irmão ao seu (Urras), com isso, temos um encontro/estranhamento entre traços culturais, sociais e políticos, tudo isso em paralelo aos avanços do estudo da "Simultaneidade".
O enredo do livro é tão complexo e bate em tantas teclas que, sinceramente, acho difícil resenhar com justiça seu conteúdo. Temos reflexões filosóficas, pisões anarquistas, pisões socialistas, diálogos sobre solidariedade. Em geral, o babado é louco. Um último traço que não posso deixar de destacar, no caso, um traço da escrita dela, os debates sobre gênero e misoginia, dentre outros.
Por fim, e acredito que em síntese, "Os despossuídos" é uma experiência, é agregador, é lindo e atemporal.