Aila Cristina 09/01/2022
A menina-mulher Ponciá me ensinou...
Me apaixonei por Ponciá Vicêncio antes mesmo de conhecer sua história. Me apaixonei por Ponciá quando sua parente-criadora, a Conceição Evaristo, falava dela logo nas primeiras páginas do livro.
A menina-mulher, Ponciá Vicêncio, desde da sua infância, carregava consigo memórias que me tocaram profundamente. Me lembrei da minha própria infância, vivências e escrevivências.
As lembranças-pensamentos de Ponciá, Maria e Luandi Vicêncio me fez pensar nas trajetórias das (muitas) pessoas negras da diáspora brasileira, suas lutas e desejos de serem livres, felizes. Como as personagens, são pessoas complexas, carregadas de subjetividades e sonhos.
Conceição escreveu de forma tão linda, ao mesmo tempo triste, o desejo de ser feliz, de aprender a ler, a dor do sofrimento, do abandono e da solidão de Ponciá. Ponciá se sentia sozinha e vazia mesmo com um companheiro. Isso me fez refletir sobre a mudez dos homens negros no seio familiar. Quantas Ponciás, aos poucos, vão se perdendo dentro de si?
A menina-mulher Ponciá me ensinou sobre a vida, sobre a morte, sobre sonhos e desejos, sobre a solidão e violência, sobre o amor e os laços.
Por isso, recomendo a leitura desta obra e todos os escritos da incrível Conceição Evaristo!
Trechos que me fizeram chorar as lágrimas de Ponciá, Luandi, Maria e de todos personagens
"[...] a vida escrava continuava até os dias de hoje. Sim, ela era escrava também. Escrava de uma condição de vida que se repetia. Escrava do desespero, da falta de esperança, da impossibilidade de travar novas batalhas, de organizar novos quilombos, inventar outra e nova vida".
"[...] Descobria também que não bastava saber ler e assinar o nome. Da leitura era preciso tirar outra sabedoria. Era sabedoria. Era preciso autorizar o texto da própria vida, assim como era preciso ajudar construir a história dos seus. E que era preciso continuar decifrando nos vestígios do tempo os sentidos de tudo que ficará para trás. E perceber que por baixo da assinatura do próprio punho, outras letras e marcas havia. A vida era um tempo misturado do antes-agora-depois-e-do-depois-ainda. A vida era a mistura de todos e tudo. Dos que foram, dos que estavam sendo e dos que viriam a ser."