spoiler visualizarCida Zientarski 09/07/2022
O cara dos sonhos dela é uma garota
Holland é uma garota que está sendo pressionada de todos os lados para ser a filha perfeita, a aluna perfeita e a namorada perfeita. Sua mãe tem muitas expectativas para ela, uma vez que engravidou ainda na adolescência e teve que se virar sozinha, já que não pôde contar com os pais. Ela espera que Holland tenha um currículo escolar perfeito que faça com que ela entre para uma prestigiada universidade e conquiste bolsas de estudo. Como Presidente de Classe, esperam que Holland seja capaz de coordenar todos os eventos sociais da escola, além de manter suas notas altas. E, como namorada, Seth espera que eles possam, em breve, levar seu relacionamento a um novo nível de comprometimento.
O problema é que Holland está sobrecarregada, indecisa sobre o seu futuro, suas possibilidades e sua vida no geral. Ela está cansada e segue uma rotina onde cabe a sua mãe suas grandes decisões, como a universidade que vai frequentar e o curso que deve fazer. Ela odeia isso, mas ao mesmo tempo não tem forças para lutar contra e não decepcionar a mãe.
Em meio a esse mar de caos e confusão, de incertezas e pressão, ela conhece Ceci. A nova estudante da Southglenn é linda, artística e uma lésbica assumida com orgulho - como mostram suas camisetas. A atração é imediata e quando Holland percebe que também é possível que seja recíproco, ela precisa adicionar mais uma importante decisão para o seu futuro.
Uma das coisas que eu mais gostei no livro, definitivamente, foi a Holland e a sua jornada. Muitos romances LGBT+ focam exclusivamente na descoberta da sexualidade dos protagonistas, mas a Holland não tem que lidar só com isso. A vida dela não para para que ela possa lidar com suas descobertas. Está tudo ali, apinhado em seus ombros e esperando que ela resolva todos os seus problemas. Holland é muito mais do que apenas sua orientação sexual e isso deixou a história ainda mais rica.
Outro ponto que gostei bastante foi o fato dela não surtar quando percebe que tem sentimentos em relação a Ceci, porque ela não é sua primeira "crush" feminina. Holland já teve de lidar com várias paixonites por outras garotas, mas sempre se refreou a respeito delas por nunca ter questionado sua orientação sexual. É só quando Ceci vocifera a respeito disso que ela começa a se perguntar a respeito - e aceitar a si mesma é muito fácil para ela. Holland, apesar de bastante ingênua a respeito do universo LGBT+, tem uma mente muito aberta. E para ela, descobrir-se lésbica não é um choque, ela aceita sua orientação sexual de braços abertos, porque está apaixonada e não consegue enxergar nada de errado em amar outra garota.
A narrativa da Julie Anne Peters é um pouco diferente do que estou acostumada, mais objetiva e clara. Ela não fica embelezando seus parágrafos, apresenta a história tal como ela é. No começo, estranhei um pouco, mas é fácil se acostumar com a forma direta como ela aborda a história, sem se enrolar ou encher linguiça, desenvolvendo os personagens de forma coerente com sua apresentação inicial e mantendo-se fiel a representação do mundo.
Em várias passagens me senti desconfortável com a reação dos personagens secundários a Ceci - que é tão gay, assumida com orgulho, e faz questão de mostrar isso na forma como se apresenta aos outros. Os comentários homofóbicos, as reações homofóbicas e a falta de ação dos adultos responsáveis em parar esse tipo de comportamento dói. Mas, infelizmente, são reações ainda muito atuais.
Foi impossível não pensar que, como sociedade, estamos caminhando de forma extremamente lenta - e as vezes até retardatária - em direção a um mundo mais igual e livre de ódio.
'Não Conte Nosso Segredo' tem uma abordagem interessante, especialmente para pessoas que ainda são muito "cegas" e ingênuas a respeito das dificuldades e realidade da comunidade LGBT. Ao dar o protagonismo e o ponto de vista a Holland, uma garota que está começando a descobrir sua orientação sexual ao mesmo tempo em que começa a solidificar sua identidade como ser humano, Julie Anne Peters faz com que essa jornada seja facilmente uma introdução ao mundo LGBT para os leigos. Uma aula, sem ser didática ou forçada, sobre inclusão, amor e empatia.
No mais, 'Não Conte Nosso Segredo' é um livro claro, objetivo, que conquista facilmente os leitores e de uma relevância extrema para os tempos atuais - especialmente nesse Brasil que insiste em "cura gay".