Camille.Pezzino 09/04/2020
ALTOS E BAIXOS DE UM BRUXO
Você já ouviu o nome Geralt de Rívia? Ele é um famoso bruxo, seja entre seus contemporâneos ou na posterioridade. Uma lenda que, num vilarejo, uma criança ouviu a sua história pela primeira vez; ou, na beira de um lago, uma senhora relembra junto de sua aprendiz.
A saga The Witcher ficou famosa por conta da franquia de jogos, no entanto, o conhecimento de um público mais amplo se deu quando a Netflix, em 2019, resolveu fazer uma grande produção com a história do polonês Andrzej Sapkowski.
Contudo, tudo começou na Polônia, quando Andrzej resolveu abandonar sua carreira de economista e passou a escrever contos, os quais o fariam chegar até a sua obra completa e mais famosa no mundo todo. Essa saga, no total, conta com sete livros (no Brasil, oito, já que A Senhora do Lago, desnecessariamente, foi dividida em dois volumes): os dois primeiros são configurados em contos; os demais, são uma narrativa consecutiva que aborda esse mundo, elencando como característica principal, ao meu ver, a política.
Há, de fato, muitos acertos na obra de Sapkowski; porém, muitos erros também.
Os dois primeiros livros de contos contam com histórias desconexas uma das outras, mas que, no decorrer dos acontecimentos, explicam o universo de maneira clara e leve – uma maneira brilhante de começar uma história. Não há um exagero de informações, somente aquelas que são necessárias para o desenvolvimento posterior das obras em formato de romance.
Nesses exemplares, O Último Desejo e A Espada do Destino, Geralt – muitas vezes com Jaskier – é apresentado a tarefas que vão influenciar direta ou indiretamente a sua vida e a do mundo em si; além do decorrer dos fatos, mesmo quando achamos que não. Por exemplo, no primeiro conto, intitulado O Bruxo, também conhecido como o conto da estrige, uma criatura baseada em um demônio da mitologia eslava, mostra como as relações com um rei podem ser importantes para discernir e pensar.
Outros contos mostram xenofobia, racismo e preconceito, o que me leva a crer que, desde o princípio, Sapkowski tinha o objetivo claro de demarcar esse aspecto político na história de Geralt, um renegado socialmente.
Mas por que ele é renegado?
Por, simplesmente, ser diferente. Toda vez que um mutante – como ele é nomeado muitas vezes – ou inumano (não-humano), ou seja, elfos, duendes, dríades, anões etc. aparecem na narrativa, encontramos em personagens humanos o desprezo, a ganância e a xenofobia clara. Assim, o autor mostra o quanto a humanidade é terrivelmente preconceituosa, desrespeitosa e problemática.
No decorrer das páginas, encontramos diversas críticas sobre o que é fazer sacrifícios, entre o mal menor e maior, a disputa de poder, a ganância humana, a destruição cultural, entre outros fatores que são importantes para pensar a nossa própria sociedade.
Nos romances, por sua vez, a narrativa se torna mais linear. Pelo menos, no princípio. Com o avançar dos livros, o autor começa a traçar e trazer novas perspectivas para a obra, o que, de certa maneira, faz com que muitas informações sejam desnecessárias e excessivas nos seus romances, por vezes, podem ser esquecidas já que não fazem diferença – nem para o decorrer dos fatos.
Em contrapartida, acertadamente, os personagens ganhem corpo, ou seja, trazem como bagagem histórias, personalidade e se desenvolvam como pessoas. Contudo, isso também pode trazer certas confusões até temporais, em que uma coisa se passa no futuro e não no presente – algo que muita gente reclamou na série, a propósito. Só que, no livro, acredito que fique bem claro o tempo de cada coisa, mas algumas passagens são realmente duvidosas e, às vezes, só é possível compreender quando se passa aquilo muito depois, com uma referência posterior e proposital.
Em toda a saga, encontramos diversas lutas sendo muito bem descritas e gosto da maneira que o autor fez essas descrições, muito embora haja escritores que façam com que meu coração pule quando narram uma briga. Contudo, na obra de Sapkowski, é possível acompanhar os movimentos e as piruetas dadas pelos bruxos a partir de uma escrita fluida e com vocabulário até rebuscado em alguns momentos.
Entre todos os livros, os meus preferidos foram Batismo de Fogo e A Torre da Andorinha (sem contar os livros de contos), ainda que tenha cenas arrastadas e, às vezes, sem nenhum sentido em ambos. São dois livros que trazem as melhores interações entre personagens – o grupo de Geralt – e os acontecimentos mais emblemáticos da vida de Ciri. Contudo, a finalização da saga, para mim, deixou muito a desejar, justamente porque o plot-twist criado pelo autor foi ruim.
A ideia pode ter parecido interessante e legal para alguns, mas ela tem um problema de coesão e coerência com parte da história dos contos, o que faz com que pareça uma necessidade de um final impactante e não, um final bem construído (o que não faz muito sentido porque, por vezes, a obra se apoia em clichês piegas). Além disso, há também algumas cenas exageradamente problemáticas e outras bem machistas, ainda que se tenha personagens femininas fortes e brilhantes, como a Yennefer, a Tris e a própria Ciri.
Mesmo assim, The Witcher é uma saga que vale a pena ser lida para tirar as próprias conclusões, já que traz um universo bem construído, repleto de informações e personagens redondos. Da mesma maneira que toda saga já feita, a obra tem seus altos e baixos.
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