Luan 05/04/2019
Virei fã de um escritor nacional e de uma história sensacional
Muitas vezes, a surpresa vem de onde você menos espera. Os últimos tempos foram de boas leituras, poucas foram ruins e poucas foram ótimas. Mas sempre tem aqueles que se destacam. E eu não poderiam sequer imaginar que um desses seria Ordem Vermelha: Filhos da Degradação, de Felipe Castilho. A surpresa não é por ser nacional (e existir aquele pequeno preconceito enraizado). Mas por ser uma fantasia nacional de incrível qualidade, num país em que não há a tradição deste gênero que eu tanto gosto.
Ordem Vermelha: Filhos da Degradação conta a história de um universo fantástico criado por vários deuses. Mas a falta de harmonia das criaturas por eles criadas os deixou furiosos. Diante disso, os seis se tornam um, se tornaram a Deusa Uma, que agora comanda Untherak, o último lugar habitado do mundo. Essa região é habitada por povoada por humanos, anões e gigantes, sinfos, kaorshs e gnolls, que não podem questionar as decisões da deusa. Mas um grupo de rebelde pode mudar tudo que se conhece até então.
Ordem Vermelha: Filhos da Degradação pode ser considerada uma fantasia distópica, pois seus elementos se assemelham também a este outro gênero literário, principalmente quando envolve a revolta de um grupo em relação ao sistema – aquilo que conhecemos e vemos em várias distopias. O resumo, bastante sucinto, mostra apenas uma porção superficial do que é o livro escrito por Felipe Castilho, mas criado por um grupo de pessoas com as melhores intenções em construir no Brasil uma grande fantasia. E o resultado não poderia ter sido melhor.
Praticamente tudo funcionou neste livro. A começar pelos personagens. Todos que aparecem foram muito bem pensados - até porque houve uma grande equipe de criação por trás que pensou em todos os detalhes deles. Mas Castilho soube dar vida como poucos autores às criações. Os dois protagonistas são Raazi, uma kaorsh, e Aelian, um humano, moradores de Untherak e que acabam se envolvendo em um grande plano de revolta contra o governo daquele lugar. Os dois, que vale ressaltar, não formam casal, são incríveis em sua jornada. Raazi, que acaba sendo uma das responsáveis pelo início da revolta, e Aelian, que acaba sendo colocado lá sem querer. E este é o grande barato deste personagem, porque ele não é descrito como o salvador do mundo e escolhido para defender a sociedade, como em muitas distopias a gente vê. Pelo contrário, ele cai sem querer neste lugar e a forma como isso é contado convence muito o leitor.
Além de Raazi e Aelian, há outros personagens de grande importância na trama, como é o caso do anão Harun, da mercenária Venoma, o sinfo Siggy (que é o melhor e mais fofo personagem mundial hahaha), além de Aparição, um misterioro personagem. Além destes, que são os de destaque principal, o “o vilão” General Proghon também foi muito bem construindo, principalmente por não falar e mesmo assim representar tão bem o mal. Isso apenas para citar superficialmente os tipos tão bem-criados e desenvolvidos. Há muita representatividade nessa história.
O que também deu muito certo foi a criação de mundo. É incrível como o grupo construiu esse universo, desde a parte geográfica, passando pelas formas de magia, que foram incrivelmente bem exploradas e que ainda deixa brecha para mostrar muito mais, como também pele sistema monetário utilizado, e os ricos detalhes de toda a construção. É daquele tipo de história sem nem um pé na realidade, mas que te convence de tal forma que te conquista. Até porque a história de Ordem Vermelha nada mais é do que um retrato do nosso mundo, que muitas vezes se depara com um governo totalitário, que usa da mentira e da opressão para garantir o poder – isso soa como algo que você já viu?
Somado a isso, impossível não destacar e enaltecer a qualidade do texto de Felipe Castilho – que mal conheço e já considero pacas. Se tornou de cada um dos meus autores preferidos. Ele tem uma qualidade incrível, tanto em descrição de cenas, como no desenvolvimento da trama, que em momento algum deixou a desejar, sempre repleto de reviravoltas que surpreendem os leitores em vários momentos, passando pela excelente escrita. Os diálogos criados pelo autor são pontuais e convincentes. Em todo o texto, há a dor que ele quer passar, mas há a ironia nas entrelinhas, a crítica social e até humor. Pacote completo. É um livro completo, nada raso, profundo o bastante pra convencer o leitor.
A obra é narrada em terceira pessoa e mostra a perspectiva, principalmente, de Raazi e Aelian, mas sem deixar os demais personagens em último plano. Intercalando com os capítulos no presente, temos espécies de interludes que mostram um personagem possivelmente no futuro vivendo uma situação determinada, que não é possível comentar aqui pois é importante e seria um baita spoiler – mas eu descobri logo do que se tratava. A forte presença deu uma crítica social sem ser forçada, com a presença de várias raças, representando as diferenças do nosso mundo, é outro acerto. E o fechamento do livro, tanto no bloco presente quando no futuro, foram muito satisfatórios. Esta parte que passa no futuro, inclusive, me deixou incrivelmente sedento pela continuação, que espero que venha o mais rápido possível.
Para encerrar esta que já é a minha maior resenha, ou pelo menos uma das maiores, que já escrevi, preciso ressaltar que é possível sim encontrar escritores talentosos no Brasil. Enalteço e incentivo o trabalho de Felipe a todo momento deste então, mas é preciso reconhecer ainda o trabalho de toda uma equipe por trás que também ajudou na criação desse livro, que veio do incentivo do diretor criativo Erico Borgo (do Omelete CCXP). Mais do que eu esperava, Ordem Vermelha: Filhos da Degradação é um exemplo de que é possível encontrar qualidade nos mais variados estilos literários no Brasil e que não deve em nada para os gringos.