Higor 01/03/2022
"1001 LIVROS PARA LER ANTES DE MORRER": LIVRO 03
A “continuação indireta” de "Ilíada", "Odisseia" carrega para si algumas alcunhas muito importantes, pois, mesmo sendo, principalmente pelos críticos, uma história aquém da perfeição de Ilíada, é tido como um épico de narração mais sofisticado; aspira modelos do que em breve virá a ser o teatro grego ao trazer lapsos de comédias, tragédias e dramas satíricos; pode ser considerado o primeiro romance em verso e como a primeira obra de ficção científica.
De maneira mais simplória, a saga de Ulisses, cheia de aventuras e situações inesperadas, é mais comumente mencionada em inspirações, que vão desde a outras epopeias clássicas, como "Eneida" e "Os Lusíadas", passando por romances de outros movimentos literários, como "Ulisses", de James Joyce, e não somente, mas sua estrutura, de aventuras e luta pela sobrevivência é base para até o mais básico dos livros atuais.
Dividido em três momentos dentro dos 24 cantos (e mais de 12000 versos), Telemaquia, Viagens de Ulisses e Vingança de Ulisses, Odisseia narra, de modo geral, a história do herói Ulisses, que partiu de sua terra, Ítaca, rumo a Guerra de Tróia, e mesmo com o término da Guerra, de 10 anos, não consegue voltar para casa, em parte por conta de seu inimigo, o deus Poseidon, que quer fazê-lo sofrer por conta de um filho mortal.
Tal jornada, do retorno de Ulisses de Tróia até sua casa dura cerca de mais 10 anos, totalizando, assim, 20 anos. O ponto em que a história se inicia é justamente no vigésimo ano, em que os percalços enfrentados serão narrados através de flashbacks. No vigésimo ano, coincidentemente, é o período em que o filho, Telêmaco, já pode ser considerado homem-feito, e com condições de mandar em casa na ausência do pai.
Angustiado com tal situação, de um pai ausente desde que fizera um mês, passando por uma mãe enlutada e obrigada a escolher um novo marido por conta da ausência de notícias do atual, dado como morto, e cerca de 108 homens que querem persuadi-la de que é viúva e deve escolhê-lo como futuro rei de Ítaca, Telêmaco decide percorrer as águas perigosas e nunca antes navegadas por ele, em busca de informações do pai.
Tal viagem é chamada de Telemaquia em alusão ao nome do herdeiro de Ulisses, mas também para mostrar seu amadurecimento, de criança sem pai e sem voz dentro do reino para um homem-feito, com voz e poderio ante seus inimigos e daqueles que querem destruir sua família. É, antes de tudo, um ritual de passagem, uma parte aparentemente desnecessária da epopeia, afinal, menciona o personagem principal raras vezes, mas sua força está justamente em sua transição de jovem para adulto e o que isso irá repercutir no final da epopeia.
Já a partir do quinto canto, somos transportados para Ulisses, preso na ilha de Calypso por 7 anos, quando é, enfim, persuadida por Zeus a liberá-lo, mas não sem dificuldades. Atento, o deus Poseidon trama muitas artimanhas para que o percurso do herói seja, de fato, árduo.
Muitas são as dificuldades encontradas, desde Calypso, passando por Ciclopes, os Lotófagos, os canibais Lestrigões, a deusa Circe, Sereias, a monstruosa Cila, dentre tantas outras coisas, seja em alto mar, em terra firme ou até mesmo no submundo, o Hades.
Talvez pela disposição da história em 20 anos e em muitos cenários, com personagens e situações diferentes, "Odisseia" seja um livro mais gostoso de se ler, menos denso ante os 51 dias de guerra em "Ilíada".
Mesmo datado de 8 séculos antes de Cristo, é um livro de aventuras não somente cinematográfico, mas que abrange tanto os gêneros da sessão da tarde, como os épicos dignos de Oscar. Não por acaso é considerado um livro muito mais acessível e doméstico que Ilíada, por abordar de maneira muito mais humana e palpável os laços afetivos, seja de Telêmaco pela mãe, Penélope ou por Ulisses, seu pai; seja pelo herói e seu pai, Laertes, ou até mesmo pela diplomacia em Ítaca, de bons costumes com a vizinhança, com os estrangeiros e necessitados, algo mais ponderado que a cólera e a birra irrefreada de Aquiles antes as situações que vivia.
O herói-protagonista, aliás, é um caso a parte, não desmerecendo Aquiles: mais humano, sofre, chora, ri, sente raiva, mas acima de tudo, mostra ao leitor porque é chamado de Ulisses de mil ardis, pois mesmo diante das circunstâncias, é paciente, ardiloso, perspicaz e corajoso, sem contar com sua fama imensa, que chegou até os céus, mesmo em vida.
Um prato cheio de aventuras fantásticas, muitas delas nem sempre verdadeiras, afinal, Ulisses é conhecido por tais oratórias e dolos, "Odisseia" é um livro que, sinceramente, tem tanto a oferecer quanto Ilíada. Tão similares, mas ao mesmo tempo tão distintas, não estão por acaso como os poemas fundamentais no cânone ocidental.
Este livro faz parte do projeto "1001 livros para ler antes de morrer", que está mesclado com "O livro da literatura" para eventuais alterações necessárias. Acompanhe os livros anteriores:
LIVRO 01 - A epopeia de Gilgamesh
LIVRO 02 - Ilíada