Alineígena Alien 27/10/2020
Este livro trata-se de um diário de uma garota Síria chamada Myriam Rawick escrito entre junho de 2011 e março de 2017. O diário possui relatos da guerra da Síria, que iniciou-se em 2011 a partir de manifestações internas contra o governo e que dura até hoje com diversos países e grupos extremistas (religiosos ou não) envolvidos, e centenas de milhares de mortos. Particularmente não gostei do livro. Eu não queria questionar a veracidade do diário, pois a guerra existe, o sofrimento existe e os incontáveis efeitos dessa guerra na vida das pessoas da Síria são incontestáveis. Eu não queria ser injusta. Mas tive imensas dificuldades com a leitura. Não duvido da existência do diário, ou das histórias (gerais ou pessoais), mas a escrita não condiz com o cérebro de uma criança da idade de Myriam. De início, imaginei que minha estranheza quanto à linguagem fosse consequência da tradução e dos obstáculos da transmissão de uma linguagem a outra, de uma cultura a outra, que traduz para outra realidade um pensamento que se dá diferente por inúmeros fatores. Então li de coração aberto. Mas o livro diz iniciar-se quando a garota possui 6 anos. Mas o relato possui diversos raciocínios abstratos impossíveis de serem pensados por uma garota tão pequena. E as datas não batem com algumas informações (e não sei se foi problema de tradução, de edição ou descuido), pois na verdade, considerando o próprio conteúdo dos relatos, a garota começa escrevendo com 5 anos, e não 6 (o que me faz duvidar mais ainda quanto aos raciocínios abstratos). Em 2012 ela diz fazer 7 anos, e em 2014, ela diz fazer 11. E o estilo de escrita, e de pensamento, não desenvolveu-se conforme a criança foi crescendo. A escrita é exatamente a mesma do início ao fim. Foi quando notei que existe uma coautoria, de um repórter de guerra. Mas não há nenhum prefácio, ou posfácio, assinado por esta pessoa, explicando até que ponto ele interveio nos escritos. Há apenas a ideia de que ele foi até Síria para procurar material para uma reportagem, como se procurasse exatamente o que ele encontrou "sem querer". Eu sinceramente preferiria que se mantivesse o diário original, com as simplicidades ou "problemas" característicos da idade, ou então que se fizesse logo uma adaptação mais bem escrita (mas que estivesse clara a intenção!) pois o livro flutua entre uma escrita ruim e a impossibilidade de ter sido escrito por uma criança tão pequena.
Apesar de eu ter achado mal escrito, existe uma oferta razoavelmente grande de imersão à cultura da Síria (e aos estragos da guerra), através das descrições dos cheiros, cores e sons do país. Achei interessante, mas soou forçado pois parece claro que foi escrito para o acesso de outras culturas. Não tem a naturalidade de quem vive aquela cultura dia a dia desde o nascimento. Tendo tudo aquilo como normal, uma criança não teria a necessidade de espontaneamente demorar-se tanto nesses assuntos.
Tive a impressão de que o repórter se apropriou de uma história, de um rosto e de um sofrimento para poder cumprir o que ele já queria muito antes de encontrar quem pudesse dar vida a isso. Ficou para mim a impressão da encomenda de uma certa Anne Frank Síria, embora sejam contextos, épocas e vidas diferentes.