Dhiego Morais 14/02/2021Um romance histórico libertadorEu não estaria sendo sincero se não dissesse que por quanto tempo eu desejei ter feito essa leitura. Talvez inspirado pela temática LGBTQIA+, ou por ser um romance histórico jovem ou ainda devido às inúmeras leituras românticas que venho realizando neste ano. No baile de “entra e sai” da minha lista de desejados e do carrinho de compras, finalmente o momento aconteceu: comprei e imediatamente comecei a ler.
Henry “Monty” Montague é filho de um nobre britânico e senhor de terras em Cheshire, na Inglaterra. De espírito libertino, Monty vive em conflito com o rigor e com os modos controladores do pai, seu maior antagonista e repudiador inclemente de seus atos impulsivos. Vivendo uma vida dedicada a romper regras e paradigmas, nosso protagonista precisa lidar ainda com o fato de ser bissexual – o que é inaceitável para a sociedade do século XVII e principalmente para a figura inflexível de seu pai.
Fugindo do ultimato de Lorde Montague, Henry realizará o Grand Tour, uma espécie de “mochilão” pelas principais cidades europeias, berços da cultura, da etiqueta e das festas desregradas – além de inúmeros pontos turísticos e um ou outro perigo para os incautos viajantes.
Longe de seguir sozinho, Monty será acompanhado de sua irmã mais nova, Felicity, que deverá seguir junto ao Grand Tour até que passem pela escola de etiqueta na qual será deixada para aprender a ser uma mulher de classe – dizendo de outra forma, até que esteja apta a se casar. Embora Felicity não estivesse nos planos de Monty, pelo menos ela não deverá ser um grande transtorno. O Grand Tour durará um ano e o mais importante é passar esse tempo longe das garras do pai de Monty e, principalmente, junto da companhia de Percy, seu melhor amigo – e crush supremo!
“Na verdade, estou pensando em como esse Percy de cabelos desgrenhados, um pouco desprevenido e com cara de quem acabou de acordar é meu Percy preferido”.
Mesmo receoso de seu destino ao retornar da viagem, que é o de assumir aos poucos os negócios do pai, além de ter que abandonar qualquer costume ou ato libertino e despudorado de sua juventude, Monty se foca no presente, na ambição pelas festas, pelos encontros, pela bebida e pelos locais que conhecerá junto de Percy.
A escrita de Mackenzi Lee é um dos pontos que merecem destaque nessa resenha, pois se constitui de uma de suas maiores qualidades. Embora não seja rebuscado, o texto da autora é tecido habilmente, compondo uma narrativa bastante profunda em detalhes que fogem exclusivamente do cenário, afinal, Lee sabe desenvolver suas personagens sem perdê-los em meio a muitos devaneios. Todavia, é importante salientar que essa profundidade e esse excesso de detalhes também transformam, em alguns momentos, o enredo em algo desinteressante. Aqui é importante diferenciar um texto profundo e rico de um texto compatível com a história, ou seja, de algo realmente relevante para o desenrolar da narrativa. Lee consegue atribuir essa riqueza e essa profundidade, mas o faz com tanta frequência que em certos momentos do meio do livro o tornam desnecessário ou enfadonho.
Não poderia seguir a resenha sem comentar também sobre as personagens criadas por Lee. Dificilmente encontramos um bom romance com personagens tão agradáveis e cativantes. Em O Guia do Cavalheiro para o Vício e a Virtude, a autora nos apresenta a um Henry que exala jovialidade e impulsividade, além de bom humor, tons absolutamente jocosos e até mesmo medrosos ou melindrados, aliados a uma sede insaciável por desbravar o desconhecido, sem medo de julgamentos e distante de qualquer corrente imposta pela sociedade patriarcal. Percy é um artista, violinista hábil, igualmente carismático e carinhoso, configurando como um porto seguro para a volatilidade de Henry. Entretanto, o jovem sofre com os preconceitos, com o racismo nada velado de uma sociedade comandada pelos brancos. Por fim, falemos de Felicity, a figura feminina de nossa companhia, ainda mais jovem que os demais, porém detentora de muitos conhecimentos, de sensatez e discernimento suficiente para todo o trio. Não bastando isso, ela também é a responsável por possuir as maiores aspirações ali, ainda que também sofra com os rigores do patriarcado do século XVII.
“O amor pode ser algo grandioso, mas maldito seja, pois toma mais do que a parte que cabe a ele dentro de um homem”.
Um ponto que não me desagradou totalmente, mas deixou um gostinho amargo foi a proposta do romance, que prometia guiar os leitores por um Grand Tour deslumbrante pela Europa, mas acaba mergulhando em um tom mais aventureiro, na busca por resolver alguns problemas e fugir de outros perigos. É claro que o leitor ainda conhecerá grandes lugares, tais como Paris, Marselha, Barcelona e Veneza, mas era de se esperar que com um Grand Tour acompanhássemos as personagens justamente por essa perspectiva.
Aos fãs de adaptações, o livro será transformado em uma série pela HBO, sob as mãos do diretor, roteirista e produtor Greg Berlanti (Com amor, Simon; The Flash; Supergirl; Titãs; You; O Mundo Sombrio de Sabrina; Riverdale; Doom Patrol; Dawson’s Creek), premiado com o International Emmy® Founders Award (2018) e honorado como Television Showman Award.
Unindo personagens críveis e carismáticas à lá Com amor, Simon, junto do glamour, da comicidade, sensualidade e jovialidade de Vermelho, Branco e Sangue Azul, temos em O Guia do Cavalheiro para o Vício e a Virtude um romance delicioso, capaz de evocar o melhor de cada experiência de leitura. Absolutamente reconfortante e libertador.