Eduardo 05/01/2021
Acompanho as discussões sobre racismo de orelhada faz anos, leio textos na internet e acompanho debates, mas esse é o primeiro livro inteiramente dedicado ao assunto que eu leio.
Gostei bastante da leitura. Me agrada demais essa tendência de muitos professores universitários que têm procurado atuar mais diretamente no debate público publicando textos sobre assuntos em que são especialistas mas em uma linguagem acessível. Esse trabalho do Silvio de Almeida se enquadra bem neste tipo de publicação.
Chego a me empolgar em alguns trechos da leitura, ele consegue condensar em um livro não muito extenso uma grande quantidade de tópicos relacionados ao racismo. Em trechos bem específicos me pegava questionando algum modo de argumentação ou alguma conclusão do autor, mas mesmo nesses trechos sentia que isso era um ponto do positivo do livro, pois o autor estava estimulando o debate e o questionamento. A impressão era não só de um texto que aborda moralmente como pensar o racismo, mas também eticamente. Menos as respostas prontas, muito mais a reflexão crítica sobre o tema.
O livro ajuda a organizar muita coisa que ocorre no debate público entorno desse mesmo termo, racismo, mas que possui diversas concepções. Isso ele faz a partir do que parece ser uma pesquisa bem extensa e com base em uma bibliografia bem variada, contando a história do termo de raça e, após isso, diferenciando três concepções diferentes sobre racismo: individualista, institucional e estrutural. Aqui o conhecimento aprofundado do autor realmente traz ferramentas para que possamos compreender melhor as disputas em torno desse termo, o que eles têm por base e quais as suas implicações.
Indo além, o autor ainda relaciona de modo bastante didático diversas compreensões do racismo com as diversas compreensões do direito: as discussões sobre a escravidão/abolição no século XIX segundo o jusnaturalismo, o racismo individualista e o direito como norma, o racismo institucional e o direito como poder e, por fim, o racismo estrutural e o racismo como relação social.
O livro segue essa estrutura clara de explicitar como em parte do senso comum tenta-se compreender lógicas econômicas e sociais de modo muito preso à noção de indivíduo, buscando mostrar as consequências desse tipo de pensamento e como isso é insuficiente para compreendere o fenômeno do racismo, que é sempre estrutural, construído historicamente, de modo social e com implicações políticas e econômicas. Sendo assim, o racismo não é uma mera expressão de falha de caráter ou de uma irracionalidade do mercado que prejudicaria a produtividade e o lucro.
Como professor de Literatura para alunos de Ensino Médio, logo nas primeira parte do livro me peguei pensando sobre a necessidade de repensar a história da literatura que é ensinada na escola, de como a língua portuguesa é central para pensar o colonialismo e como esse processo se relaciona com o surgimento mesmo da noção de raça. O indício mais claro desse processo é o apagamento das minorias sociológicas na história da literatura, mas os processos sobre como isso ocorre e, principalmente, como devemos lidar eticamente com a história da literatura partindo desse ponto de vista acredito que é algo que ainda estamos desenvolvendo enquanto sociedade.
Por fim, termino essa resenha com um trecho importantíssimo em que Almeida comenta como as reivindicações por identidades podem ser capturadas pelos racistas e pela extrema-direita, algo bastante próprio do momento que vivemos: "No fim das contas, a identidade desconectada das questões estruturais, a raça sem classe, as pautas por liberdade desconectadas dos reclamos por transformações econômicas e políticas, tornam-se prezas fáceis do sistema. Facilmente a questão racial desliza para o moralismo. Por isso, diversidade não basta, é preciso igualdade. Não existe nem nunca existirá respeito às diferenças em um mundo em que pessoas morrem de fome ou são assassinadas pela cor da pele". (p. 190)