Lauraa Machado 04/11/2018
São tantos problemas!
Alguns tempos atrás, me perguntaram por que leio poucos livros nacionais, e agora finalmente sei a resposta. É tão ruim ler um livro de uma autora bacana como a Luly Trigo e não gostar. Uma das coisas mais importantes para mim é liberdade de expressão, é poder ter sua opinião e não ter que mentir para agradar ninguém. A última coisa que quero é magoar alguém, principalmente alguém tão legal e receptiva quanto a Luly e por causa de um livro que foi tão importante na vida dela (como ela explica nos agradecimentos). Juro que todas minhas críticas têm como propósito serem construtivas e já aviso que eu não sou exatamente o público alvo desse livro.
Quer dizer, é bem provável que adolescentes de menos de 13 anos gostem bem mais do que eu e nem percebam todos os problemas que percebi. Mas eu realmente queria viver em um mundo onde livros para adolescentes não precisam ser superficiais, corridos e clichês do começo ao fim. Uma coisa comum de histórias para esse público foi uma das que mais me incomodaram aqui: personagens jovens demais em posições de adultos.
A começar por Zália. Claro que o mundo foi criado pela autora e isso lhe dá teoricamente o direito de fazer o que quiser e criar as regras que quiser, mas uma regente menor de idade foi bem difícil de engolir, principalmente quando as monarquias que existentes colocam regentes no lugar de monarcas automaticamente se esses forem menores de idade. Além do mais, para retirar um regente do poder, precisa provar que ele é tão incapaz quanto o monarca ou que o próprio monarca não tem mais o empecilho de antes, ambas coisas que não aconteceram aqui. Ou seja, esse negócio do rei dizer que ainda manda não fez o menor sentido e a Zália não trabalhar diariamente e ter só uma rotina de aprendizado também não colou como função de regente.
Na minha opinião, teria ficado melhor se ela simplesmente voltasse ao palácio para aprender o que teria que usar como rainha, não para "trabalhar" de regente. Além disso, seu primeiro ato como regente, que foi instalar seus três melhores amigos de também 17 anos como conselheiros, foi impossível de convencer. Ainda mais quando a mãe de um deles era tão inteligente e faria muito mais sentido nessa posição.
Falando dos personagens, todos foram muito parecidos, sem muita personalidade ou complexidade, com diálogos bastante repetitivos e sem qualquer distinção entre eles. Eles se separaram em duas categorias, basicamente, os que amavam Zália e a admiravam o tempo todo e os que a desprezavam, o que também é um conceito extremamente infantil, principalmente se você considerar o pai dela, que foi um vilão malzão caricato desde o começo. Muitas atitudes dele são típicas de um pai abusivo, mas infelizmente isso foi tudo ignorado e até "desculpado" pela mãe dela.
Os amigos de Zália, além de terem sido também muito parecidos com todo mundo e entre si (uma coisa que achei mega bizarra foi que eles estavam sempre constantemente juntos), não tiveram qualquer relação mais profunda com ela. Me deixava louca ver a princesa estudando sobre a reação do povo com a professora e depois ir falar sobre beijos com seus conselheiros, principalmente porque o diálogo deles foi superficial como todo o resto e em nenhum momento me fez sentir que eles tinham uma ligação intensa e bem estabelecida entre si.
O romance, que poderia ter sido muito bem aproveitado (ou nem existido), foi, talvez, a pior parte do livro todo, pelo quanto ele decepciona. Esse foi o triângulo amoroso mais inútil que já encontrei, primeiro, porque o casal novo não fez o menor sentido, não teve cenas emocionantes e aconteceu tão rápido, que não deu nem para shippar. E, segundo, porque o outro lado do triângulo mal apareceu no livro! Dá para juntar todas suas cenas em duas páginas! A tensão entre eles era pura birra da Zália (que fez birra em mais mil cenas, saiu de cômodos porque alguém a contrariou, se jogou na cama trezentas vezes e chorou do começo ao fim) e nunca chegou também a me fazer shippar os dois juntos. Para falar bem a verdade, eu me esqueci que o carinho desse lado existia durante o livro. Reflita.
Claro que nem tudo do livro foi ruim, mas até as coisas boas tiveram alguns defeitos, na minha opinião. A criação do país, por exemplo, foi muito boa, de verdade! A cultura, a flor, a fruta, as cidades, foi tudo excelente. Só que, quando falavam que esse conjunto de ilhas tinha oitenta milhões de habitantes, mas ainda era pequeno o suficiente para ter o mesmo clima nele inteiro e manter a mata, ficou bem difícil de acreditar. Além disso, não entendi por que a autora resolveu criar outros vários nomes para países diferentes em vez de fazer Galdino existir no nosso mundo, porque isso acabou fazendo a história perder um pouco de credibilidade quando não dava para ver os outros países no mapa.
Eu realmente adorei a ideia da história e mais ainda por ver que ela falaria de tantas questões sociais e políticas. Mas também achei que foram tantos, mas tantos núcleos no mesmo enredo, que, além de parecer que era uma tentativa (falha, aliás) de dar mais peso para a história, nenhum deles foi aprofundado e bem trabalhado de verdade. Foi tão corrido, só para dar tempo de explorar tudo, de mencionar tudo, que muitas cenas, as mais importantes, na minha opinião, ficaram atropeladas. A narrativa também foi bastante complicada desde o começo. O livro tem milhares de reviravoltas, mas todas são previsíveis do começo e elas não impedem e nem melhoram a narrativa linear cheia de atividades rotineiras seguidas e chatas. Fica bem monótono e, mesmo quando coisas maiores acontecem, não dá mais para salvar.
Outro problema que achei na narrativa foi que praticamente tudo foi contado e falado, quase nada foi mostrado, descrito, provado ou sentido. Dizer que uma personagem ama outra não vai me convencer. Eu preciso ver provas de amor. Você pode me falar mil vezes que Zália é generosa, mas é só na hora em que ela toma uma atitude generosa que eu acredito (esse exemplo é verdadeiro, mas infelizmente foi praticamente o único a ser provado e não só falado). É irritante ver personagens repetindo mil vezes o quanto ela é incrível para o país. É irritante e desnecessário. Teria sido muito melhor se a gente tivesse só visto suas atitudes incríveis.
A pior parte disso, para mim, foi a Zália, que não teve muita personalidade também, mas que tampouco teve sensações físicas, expressões faciais e questionamentos em "tempo real". Eles foram sempre resumidos, apesar da narrativa ser em primeira pessoa. O que mais me fez falta foi quando ela se machucou, já que eu reclamei de dor no tornozelo que virei antes de ontem bem mais vezes nos últimos dias do que ela, que machucou bem feio algo bem mais complicado.
Eu detesto ter que criticar um livro, ainda mais um cuja criação tenha feito tão bem à autora, e sei, como autora também, como é difícil escrever uma história do começo ao fim (acredite, ninguém no mundo tem mais críticas ao meu próprio livro do que eu), mas não posso fingir que gostei do livro, que ele foi bem escrito e bem trabalhado. Ainda daria outra chance para a autora, mas tenho que admitir que me decepcionei muito com O Reino de Zália e, se tiver uma continuação, não lerei.