Breno 14/05/2020
deveria ser distribuído nas escolas
Em “Como as democracias morrem” aprendemos que nem sempre as democracias acabam por meio de um golpe militar (como ocorreu no Brasil em 64) ou paramilitar (como ocorreu na Alemanha no século XX). Levitsky e Ziblatt destacam que atualmente as democracias estão se erodindo gradualmente, por meio de processos legais, constitucionais. Tal aspecto faz com que não notemos que estamos vivenciando uma autocracia (ou em rumo à uma).
Além de explicar como as democracias morrem, os professores - e autores - nos explicitam o por quê disso acontecer. Segundo eles, momentos de crise econômica, insatisfação popular e o declínio dos partidos políticos são propícios ao surgimento de pessoas com pretensões à regimes autoritários. Muitas vezes, esses sujeitos são tidos e se autodeclaram como outsiders, isso é, pessoas que são de fora do establishment, ou da “velha política”. Isso faz com que os eleitores, indignados pela situação em que o país se encontra, simpatizem com esse “novo tipo de político”, já que estes prometem milagres.
Porém, como vamos saber quais políticos têm tendências ao autoritarismo? Segundo os autores, por meio de uma vasta pesquisa histórica de antigos e atuais autocracias, podemos identificar esses sujeitos por meio de quatro critérios: 1) rejeitam as regras democráticas; 2) negam a legitimidade dos oponentes; 3) toleram e encorajam a violência; 4) dão indicações que vão restringir certas liberdades, inclusive da imprensa. Geralmente, os que mais se adequam a esses critérios são os que justamente se autodeclaram outsiders. Na maioria das vezes, eles utilizam o populismo e declaram que “estão fazendo a vontade do povo”, a fim de acabar com a corrupção do país ou com a ameaça comunista e ‘fazer o país voltar aos trilhos’. No entanto, nem sempre esses sujeitos tem tendência à autocracia; às vezes, por circunstâncias, eles acabam se tornando autoritários.
Muitas vezes, os sujeitos que têm tendência ao autoritarismo são pessoas que mentem copiosamente, seja durante a campanha política ou durante o mandato. Mentir não é ilegal (salvo em algumas situações), porém é completamente imoral. Utilizar-se de mentiras para a autopromoção não é inconstitucional, mas fere gravemente as regras do jogo democrático, que preza sempre pela transparência.
De acordo com os professores, os autocratas não têm paciência com o jogo democrático. De fato a democracia é exaustiva, é lenta; exige negociações. Além disso, o Poder Executivo é controlado e vigiado tanto pelo Poder Judiciário, quanto pelo Poder Legislativo – o que chamamos de sistema de pesos e contrapesos. Por isso, os autocratas enxergam todo esse sistema como uma ‘camisa de força’ que precisam se libertar.
Ainda segundo os autores, existem duas formas de como as democracias podem se diluir gradualmente:
A primeira, é a falta de tolerância mútua. Quando as normas de tolerância mútua são frágeis, é difícil sustentar a democracia. Quando um candidato vê seus rivais como seres que não merecem viver simplesmente pela diferença ideológica, quando um candidato xinga e fala em exterminar seus adversários, ele automaticamente legitima esse tipo de discurso. Tal fato gera duas consequências que estão estritamente ligadas. A primeira é que esse tipo de discurso gera a normalização na sociedade, quando isso nunca deveria ser tolerado. O segundo é que claramente contribui para uma maior polarização política; esquerda e direita se afastam cada vez mais e, pautas que, em tese, poderiam ser defendidas por ambas, são desprezadas porque “se eles defendem isso, então eu vou contra”.
A segunda é utilizar demasiadamente a reserva institucional. Reserva institucional é o leque de opções das ações legais e constitucionais que o Chefe Executivo pode tomar frente às diversas situações (também podem ser realizadas pelo Poder Judiciário e pelo Poder Legislativo), porém é recomendado que não se utilize desse poder demasiadamente, pois pode enfraquecer o sistema político. Às vezes, a reserva institucional se encontra em regras não escritas, como códigos de conduta. Um exemplo disso aqui no Brasil é a faculdade do Presidente em escolher o Procurador Geral da República, embora seja recomendado pelo Congresso que se escolha um da lista tríplice (Bolsonaro escolheu um de fora da lista tríplice, o que é constitucional, porém não é recomendado). Outro exemplo de reserva institucional é o processo de impeachment, que, se utilizado de forma trivial, pode ser um instrumento para derrubar resultados eleitorais.
É preciso enfatizar que, embora Bolsonaro e Trump tenham vieses autoritários, já que se enquadram nos critérios acima, eles podem não se tornar em autoritários de fato, podem “não dar o golpe” e manter a democracia. No entanto, também é preciso dizer que ambos os Presidentes romperam, e continuam rompendo, com a tolerância mútua e com a reserva institucional. As regras não escritas do jogo democrático foram deixadas de lado. Embora não sejam diretamente responsáveis pelo fim da democracia, são indiretamente responsáveis. Agora, é cada vez mais provável que vão aparecer mais outsiders populistas com discursos autoritários e preconceituosos, que vão xingar seus adversários, que vão prometer cassar a imprensa opositora. O pior é que vamos achar todo esse discurso como algo comum, já que passamos pelo processo de normalização da quebra dos códigos de conduta. O inaceitável se tornou tolerável.
Por fim, os autores nos alertam como fazer para que possamos manter a democracia em nosso país. Segundo eles, é preciso que os partidos não deem visibilidade e rejeitem esses outsiders com discursos populistas e autoritários; além disso, os autores acreditam na ideia de união em detrimento à polarização, como em defesa de pautas comuns, por meio de protestos e afins (por exemplo a redução de salário de ministros e deputados); por último, falam também de aliança dos partidos e de pessoas frente à ameaça antidemocrática, como ocorreu na França, onde as pessoas e os partidos se uniram em prol da democracia para evitar a vitória eleitoral da extremista, Le Pen.
Ainda que eu tenha gostado bastante do livro e da lição proposta, em um certo momento eu me desinteressei. O livro é um claro recado à população norte americana. Apesar de utilizar de pesquisa histórica e ter a América do Sul como modelo de como as democracias podem falhar, a obra é bastante voltada para os EUA. Dessa forma, perdi um pouco de interesse no capítulo em que o foco maior era sobre a história política dos EUA, já que esse assunto em específico não me atrai tanto quanto o resto do livro.