Tuca 18/07/2019"Você vai me queimar também?"Esse é um livro que eu não estava conseguindo aproveitar na versão escrita e traduzida. Por ser em versos, muito do ritmo é perdido na tradução. Além de que é destacado logo no início que ele foi feito para ser lido em voz alta. Na prática, assim como Ecos de Pam Muñoz Ryan, ele foi feito para ser ouvido. No caso de Ecos, a escolha entre livro e audiobook está mais relacionada a uma experiência de imersão maior, mas não há sentido que se perde; já em a Poeta X, pareciam até histórias diferentes. Não conseguiria ter gostado tanto do enredo se não tivesse optado por trocar o livro traduzido pelo audiobook em inglês (narrado pela própria autora). Mesmo com a mudança, ainda demorei para deixar de achar a história cansativa. Com mais de 1/3 do livro é que a maravilha começa, quando entram a trama, mesmo que tímida, do gêmeo, os grandes conflitos com a mãe e o processo de Xiomara de encontrar sua turma e sua voz. Xiomara é uma adolescente de uma família da República Dominicana que morava nos EUA, cuja mãe muito cristã, teve um casamento arranjado, quando o sonho dela era ser freira. Assim, a menina e o irmão gêmeo eram criados de maneira muito rígida dentro dos preceitos da fé e ela não sabia se acreditava em tudo o que a mãe e a igreja pregavam. Ela queria experimentar, conhecer meninos, escrever e ser livre, sem ser julgada ou castigada por isso. Seu amor pela escrita e pela poesia era o que a faziam viver, lhe impulsionavam, também eram o meio de escapar de “mami” e sua realidade, de questiona-la, de se conhecer e de ser quem ela queria.
Não vejo como um livro que critique a religião, mas sim o fundamentalismo e a intolerância. Ainda mais por que Xiomara transformou a igreja de sua grande inimiga em uma das suas maiores aliadas, mostrando duas facetas da religião e do seu poder transformador, ora podendo ser negativo, ora positivo.
Dá para perceber que há muito da autora nesse livro. Elizabeth assim como Xiomara tem pais que vieram da República Dominicana e é campeã nacional de declamação de poesia, além de quase quinze anos de experiência com performances na área. Não é à toa
que a narração dela no audiobook é perfeita. Ela sabe o que faz.
Se eu fosse resumir esse livro em uma palavra seria comunicação. Não apenas no processo de Xiomara de interpretar e aprender a se mostrar para o mundo, mas no de saber se expressar dentro da sua família, principalmente com sua mãe, e na busca do diálogo, que em vários momentos, parece ser impossível.
Nada é.
A conversa não é impossível, nem a compreensão, a maior problemática é a de encontrar mecanismos para tocar o modelo de mundo do outro e esse é um dos maiores desafios da poeta X. De certa forma, também o de mostrar as adolescentes que vivem realidades semelhantes às de Xiomara que a vida delas não se resume aquele momento e que elas têm sim direito à voz e vez. Nossas vozes importam, sejam como sussurros, sejam como gritos, sejam como rabiscos, literatura, arte ou música. E a crença alheia não deve ser capaz de nos abafar. Para uma adolescente que não tem alternativa a não ser viver sob o teto e as regras de alguém com o pensamento completamente diferente ao seu, encontrar caminhos para se fazer existir, para se fazer sonora e presente é sua maior forma de resistência. E resistindo, vivemos. Resistindo, vencemos.
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