tguedes2 09/07/2021
[RELEITURA, Edição comemorativa 80 anos]
Que experiência inenarrável é ler Graciliano Ramos. Em "Vidas Secas" o autor transporta o leitor para dentro dos cenários e da vida de miséria de Fabiano e sua família. Tudo nesse livro é seco: a natureza, o cenário sócio-político e a própria narração. Graciliano não escreve enfeitado, não escreve de forma romanesca. A linguagem é seca, bruta, limitada, tal qual a dos seus personagens. Com isso, ele consegue nos transportar para aquele ambiente de forma magistral. Mesmo nesse texto seco e sem enfeite, a escrita de Graciliano é poderosa, causa sentimento através das situações. Afinal de contas, como não se compadecer com sinha Vitória que decreta que a única coisa que falta para sua felicidade é poder dormir em uma cama em pano de couro, em despeito daquela coberta de varas na qual efetivamente se deita com seu marido, cada um para um lado, porque no meio tem um nó que machuca as costas? Como não se emocionar com a brutalidade de Fabiano, com sua realidade de exploração e sofrimento, com sua dificuldade de se defender visto que não domina a fala? Como não se entristecer com a nossa querida cadela Baleia que, entre sua realidade de cochilar e ajudar o dono a manejar o gado, só queria um osso para roer, um preá, talvez? Como não empatizar com o menino mais novo e o menino mais velho, que na idade da curiosidade não conseguem fazer descobertas sobre o mundo naquela realidade limitada?
Graciliano abre e fecha o romance com a ida e vinda da seca, respectivamente, demonstrando o caráter cíclico dessa condição do sertão nordestino.
E finaliza: "O sertão continuaria a mandar gente para lá [para a cidade]. O sertão mandaria para a cidade homens fortes, brutos, como Fabiano, sinha Vitória e os dois meninos".
É um livro muito emocionante, extremamente real e denunciatório. Todo mundo deveria ler Vidas Secas.