spoiler visualizarSevero 20/05/2020
Entre o chato e o instigante
A começar pelo que instiga, talvez o maior acerto do livro, e não por coincidência foi a principal razão para eu continuar, é a construção de personagem e de atmosfera minuciosa.
De prontidão sabemos que o narrador-protagonista não é NADA, veja bem e repito, NADA confiável (o que já é evidente só pelo fato de ser em primeira pessoa). Pois ele não toma os remédios como deveria, tem um estranho e conveniente problema de memória, e além disso, é revelado por ele mesmo, que é um exímio mentiroso. Além disso, os diálogos não são direitos, que podem ser visto como objetivos, são citações, isto é, não estamos, necessariamente, vendo a história dele pelos olhos dele, é como se ele tivesse nos relatando, da forma mais motivada possível; havendo, também, toda a disfunção temporal da narrativa. Quando isso está passando? Pera, isso é passado ou presente? Mas, cacete, o tempo verbal pra ''flashback'' (as aspas foram completamente intencionais e motivadas) e pro que ocorre no agora é meio que o mesmo? Tirando, obviamente, um exercício de lógica pra saber quando é o quê, dá para se perder facilmente no tempo. E tal coisa é intencional. Tudo envolvendo o protagonista é incerto, fragmentário e extremamente parcial, mas não no sentido de mistério, e talvez aqui que haja um desequilíbrio de expectativas.
Ao longo da narrativa o mistério não é se o Yu-jin é um psicopata ou não; se ele matou a mãe ou não, mas sim, se ele SABE disso, se ele está tentando nos manipular a ficar do lado dele ou se ele realmente não sabe o que fez. Nesse caso, ele fica, em termos comparativos, entre Precisamos Falar sobre o Kevin ou Psicose. Mas, acabemos a comparação aqui, pois são perigosas. Nisso, há sempre um vai-e-volta se ele é ingênuo dessa forma mesmo, ou está fazendo toda essa encenação de inocência para fazermo-nos acreditar na versão dele da história, pois, afinal, ele quer ser advogado, a função dele é soar que toda essa história é verossímil, que a moralidade é somente um quadro a ser pintado como bem entender. Já que soa coincidência demais ele deixar o irmão bater nele, entregar a navalha que ele LUTOU pra tirar na mão da mãe e comprar uma viagem pro irmão, já que, afinal, quando que ele foi generoso com alguém?
É nisso que o livro brilha, na construção minuciosa de personagem, que vai se descobrindo aos poucos, levando-se gradativamente no autodescobrimento do Yu-Jin. Também na construção da narrativa, na atmosfera e tal.
Mas, olha, meio chato, sabe? As primeiras 80 páginas são pura redundância, são paginas e paginas onde NADA acontece e é só um vai-e-vem meio insosso do protagonista. Além disso, não há nenhum personagem especificamente marcante, que, ao menos, tornam-se o personagem principal mais interessante (ou fossem interessantes por si mesmos). O irmão é só ingênuo, sabe, a mãe é só boa, então, fica tudo meio pálido e opaco, pois tudo envolta do personagem é chato, e ele não é bem um cara carismático. Com isso, soava que parte do que era instigante na obra, o detalhamento minucioso, trabalhava contra a obra em alguns momentos, soando desnecessariamente enrolado e chato.