gialuir 02/04/2021
Real demais
Apesar de ser uma história fictícia, esse pensamento me passou pela cabeça diversas vezes no decorrer do livro.
O início tem um desenrolar lento, arrastado. As cenas são tão descritivas que às vezes os olhos pesam. Mas quando nos aprofundamos na trama, quando as lembranças e sentimentos de Maja começam a inundar as páginas, tudo nos envolve.
Gosto de como o livro foi escrito. Apesar de ser dividido em partes e capítulos, os momentos se conectam de uma forma que eu aprecio bastante. Quando Maja está no julgamento, aquele é o presente, mas lembranças do passado estão sempre aparecendo. Na prisão, a mesma coisa. É difícil nos situar em uma linha do tempo. Pode parecer confuso em teoria, mas na hora da leitura eu senti bastante fluidez entre as transições e isso ajudou a impulsionar o suspense, o mistério. As coisas vão sendo reveladas lentamente, uma a uma. Já sabemos o fim, e a história nos instiga a querer descobrir os meios e qual será o destino de Maja.
Sobre Maja e a construção dos demais personagens, é o que eu disse: real demais.
Maja tem pensamentos horríveis, e isso me irritou bastante até eu me dar conta de que... nós também temos. Quando Maja fala diretamente com o leitor de forma desagradavelmente verdadeira, fica ainda mais claro. A personagem é tão amarga e tão dona de sentimentos e pensamentos controversos quanto nós, seres humanos não ficcionais. Preconceitos, pré-conceitos, mesquinhez, egoísmo, hipocrisia, tudo é exposto de forma nua e crua.
A pergunta do livro é: "Afinal, quem é Maja Norberg?". No início, achei que ela poderia ser respondida com uma dessas duas palavras: inocente ou culpada. Mas a autora deixou a personagem tão humana, tão cítrica e real que é difícil reduzi-la a termos tão simples. Assim como todos os outros personagens a quem ela dedicou alguma construção. Todos têm bagagens demais para serem enquadrados entre "do bem" e "do mal". Tenho ressalvas apenas quanto a um personagem, que me pareceu inegavelmente ruim.
Sobre Sebastian: instável, violento, problemático, nocivo e... doente. O relacionamento dele com Maja é tenso, dependente e abusivo. O jovem é o retrato do fato de que bens materiais não suprem carências emocionais. Sebastian e suas atitudes são um grito de ajuda que as pessoas não ouviram, não da forma correta. E toda a intensidade da súplica acabou sendo direcionada a Maja, que não tinha estrutura nenhuma para suportar.
Em nenhum momento o livro nos entrega um vislumbre de contos de fadas. Não nos começos, e muito menos nos fins. A única coisa genuinamente linda que eu consegui captar é o amor de Maja por sua irmãzinha, Lina. Esse sentimento passado através das palavras é verdadeiramente emocionante. Puro.
Mas Areia Movediça não é só sobre Maja. Ou só sobre ela e Sebastian. O livro envolve diversas construções sociais cruéis que podem muito bem moldar pessoas, inclusive outros jovens como Sebastian e Maja. É um relato fictício capaz de descrever perfeitamente uma sociedade real. Um mundo doente.