valentine 10/03/2022a validação da dor de ser criança Esses dias eu sentei pra comer em um restaurante com a família do meu noivo, toda adulta, recém-chegada à responsabilidades que me levariam para a cadeia se eu as executasse mal, ou apenas as negligenciasse. De costas para mim, sentava um menino de alto contraste com o resto de sua família - vestido de preto, braços cruzados, olhos infinitamente tediosos e raivosos. Abafando um riso, cochichei para o meu noivo como era engraçado como, quando crianças, as coisas são muito mais dramáticas e profundas, quando na verdade não têm lá muita importância. Aquele menino não podia ter tantos motivos para entortar a cara daquela forma em um domingo de sol.
Alguns dias depois, esse livro me provou errada.
Ser uma pessoa nova do mundo, enquanto todo mundo espera que você supere coisas que deve superar, sangre tudo o que deve sangrar, pense na morte o suficiente para que a aceite, é uma das experiências mais solitárias e dolorosamente subestimadas que nós passamos sob a sentença da ampla consciência - especialmente se, já criança, você não cabe em qualquer molde bem feito. Todo mundo esperando que fique velha o suficiente para ser levada a sério. Quando seus pensamentos e dores são familiares - e até confortáveis - para quem já passou por eles e se esqueceu da experiência, quando nem mesmo as pessoas da sua idade querem te ouvir, o resultado é dilacerante. É fazer parte da sociedade apenas por observação, experimentando seus piores lados, enxergando o que ninguém mais enxerga.
Os onze anos de Maria Carmem combinam muito com os meus. Mesmo rindo do garoto do restaurante, eu não voltaria para a infância nem que isso me desse uma segunda chance em um sucesso mais prematuro. Nem que eu pudesse carregar todo o conhecimento que tenho agora lá para trás e fizesse tudo de novo. Eu seria instantaneamente destruída por gente que acha que sabe demais, ou que não me considerava válida, bonita, graciosa ou inteligente o suficiente para ser ouvido. E já não era a Mariazinha inteligente e observadora o suficiente? O mundo fez dela o que faria da gente, mais velho, se a gente ao menos se lembrasse.
Só nos resta crescer e olhar para garotos emburrados em restaurantes, rindo do que já passamos, mesmo que mal tenhamos sobrevivido nós mesmos.
"Acho que existem crianças mais solitárias do que os velhos." - Mariazinha