Coruja 11/04/2011Se fosse para comentar esse livro numa única linha, eu diria o seguinte: “ele é brilhante... mas quando terminei, senti vontade de me jogar da janela”.
Não estou brincando. Embora Admirável Mundo Novo seja uma obra excepcional – em muitos sentidos – ela me deixou absurdamente deprimida. A despeito dos meus comentários volta e meia cínicos, a verdade é que sou uma otimista: esforço-me para não pensar o pior das pessoas, por acreditar que a humanidade ainda tem esperança.
Aí você lê um livro como esse e começa a refletir sobre a escolha do selvagem: o direito de sentir e, por conseqüência, à infelicidade (afinal, nas palavras de Da Vinci, ‘Onde há muito sentimento, há muita dor’); ou a insanidade de uma civilização totalitária em que as pessoas são programadas para o consumo, a negação de quaisquer vínculos emocionais e à estagnação.
Huxley criou sua história em 1931. Ecos do sistema que imaginou para a manutenção do status quo de sua sociedade ‘perfeita’ podem ser encontrados na Alemanha hitlerista: eugenia, perda do individual em face do Estado, propaganda como forma de controle das massas.
No livro, após um evento conhecido como a Guerra dos Nove Anos, os Estados Nacionais foram abolidos em prol de um Estado único. As pessoas não nascem - a idéia de mãe e pai é até mesmo indecorosa -, em vez disso são cuidadosamente cultivadas em laboratório, sendo, desde o princípio, condicionadas para se tornar aquilo que o Estado deseja que se tornem.
Os fetos dos indivíduos destinados à classe trabalhadora têm álcool misturado ao sangue com que são alimentados, de forma a terem o desenvolvimento físico e mental atrofiados. As crianças são condicionadas através do método de Pavlov e educadas moralmente através de hipnopédia (aprendizado através da escuta de mensagens pré-gravadas durante o sono).
As pessoas são divididas em categorias ou castas. Temos os Ípsilon na base da cadeia produtiva, seguidos dos Delta, Gama, Beta e Alfa, cada qual usando cores identificadoras – não que isso seja necessário numa sociedade governada por estereótipos.
A educação moral inculcada nas crianças incluem a necessidade eterna de consumir, a prevalência do Estado sobre o indivíduo e o comportamento promíscuo, com vistas a obliterar emoções, sentimentos e crenças.
Ou melhor, existe um único sentimento permitido: felicidade – mas uma felicidade vazia, que é, na verdade, a ausência de uma consciência individual. E, se isso ainda não for o suficiente... então basta tomar comprimidos de soma – e com isso fugir da realidade.
Não é à toa que a contagem do tempo aqui se dá antes e depois de Ford, uma vez que Henry Ford foi o responsável pela criação das linhas de montagem e do modo de produção em massa.
Existem, contudo, algumas colônias de “selvagens” pelo mundo, lugares vigiados, cercados e miseráveis. É lá que encontramos John, que nasceu por acidente, filho de um alfa e uma beta. Não foi condicionado desde criança àquilo que é considerado o ‘normal’. Pelo contrário, sua educação se baseou num velho volume de peças de Shakespeare, de forma que ele conhece Deus, fidelidade, amor.
Aliás, é de Shakespeare que vem o título do livro. Como John, Miranda, de A Tempestade jamais teve contato com a sociedade. Tal isolamento a tornou ingênua, de forma que ela vê apenas o belo e não a maldade – o mesmo que ocorre a John no princípio.
MIRANDA: Ó maravilha! Quantas criaturas adoráveis existem aqui! Quão belos são os humanos! Ó admirável mundo novo, onde habitam semelhantes pessoas!
Miranda tinha seu pai para protegê-la. John, contudo, não tem nenhum refúgio, ninguém para quem pode realmente se voltar. Não no final. E é por isso que Admirável Mundo Novo acaba por assumir ares de tragédia, sem qualquer esperança de mudança ou melhora.
Como crítica social, o livro é completamente atual. Como previsão, Huxley não poderia ter feito melhor com uma bola de cristal: há algo de muito, muito familiar na sociedade perfeita, no admirável mundo novo – o que explica a depressão de que falei lá no começo. Ainda assim, é uma obra que vale à pena ler e refletir, a fim de que nós, também, não nos tornemos seres humanos etiquetados e anestesiados para tudo aquilo que não fomos condicionados a notar.
(resenha originalmente publicada em www.owlsroof.blogspot.com)