Brenda @caminhanteliterario 05/04/2024Essa história é simplesmente genial, tanto a vibe e o ritmo, quanto o plot twist são feitos de forma excepcional. No entanto, a experiência é completamente comprometida se você já assistiu ao filme. Comprei esse livro há muitos anos depois de ver a adaptação e não sei porque fiquei esperando esquecer o final com o tempo pra poder ler, o que claramente não aconteceu. E o problema – que na verdade não é um problema- é que a adaptação é uma das melhores que já vi. Ela é extremamente fiel ao livro não só em nos pontos do enredo como em estabelecer toda a atmosfera que permeia a história. Então não sobra nada de novo pra se ler, e não foi mto empolgante saber tudo o que ia acontecer.
Mas desconsiderando a minha experiência estragada, o livro por si só é um dos melhores thrillers que já li. O autor faz um trabalho genial em setar o mistério e a posição dos personagens, fazendo com que a príncipio acreditemos fielmente no narrador e em quem a gente define como vilão e mocinho. Só que ao longo da trama tudo é colocado em dúvida.
Nenhum personagem é de fato confíavel, nem mesmo Teddy que está contando a história. No meio do enredo começamos a perceber que ele sabe mais do que aparenta e pode estar na ilha por motivos pessoais, talvez por vingança contra Andrew ou justiça contra uma instituição cruel. Já Chuck que confiamos no início começa a apresentar comportamentos suspeitos do meio pro final e passamos a desconfiar se ele não esta do lado da instituição. Enquanto Crawley, que quando conhecemos está escondendo alguma coisa, vai aos poucos se mostrando mais humano e se importar com os pacientes e até com as próprias questões pessoais de Teddy. Fora do tal do doutor Sheeran que durante todo o enredo não aparece, mas em que gira algum mistério em torno. O sumiço da Rachel Solando, a meu ver, é quase secundário, ainda que os enigmas que ela apresenta ( e que depois sabemos que não foi ela) deixe tudo ainda mais legal. Não saber em quem acreditar gera um dinamismo e um engajamento enorme na leitura.
E o mais legal desse livro é que não existe ponto sem nó. Nada está ali aleatoriamente e quando o final se apresenta absolutamente todos os pontos se encaixam. E é muito legal ver as peças se juntando e perceber que as migalhas de informação estavam ali o tempo todo.
Tudo passou pela minha cabeça, mas nunca imaginei (no meu caso vendo o filme) que Andrew era o Teddy, que Dolores era a Rachel e Chuck seria o tal doutor. É um dos plot twists mais mind blowing que eu já vi e que foi construindo gradativamente ao longo de todo o livro. As dicas estão em todos os lugares: no Paciente 67, quando continuamente instigam Teddy a matar Andrew (figurativamente no caso), na dificuldade de se saber mais sobre o Dr Sheehan ou Laedis, no próprio Teddy sugerindo os testes com drogas alucinógenas que fariam uma pessoa sã distorcer a realidade ou em Rachel tratando Teddy como se fosse seu marido. Ainda sim não passei nem perto de adivinhar.
A revelação tem um impacto muito visceral, não apenas por ser inesperado, mas porque muda e aguça os temas do romance. Em vez de uma luta contra as forças do poder institucional, ou de um mistério, o livro torna-se uma reflexão sobre a dor e a culpa. Em vez de focar se Teddy escapará da ilha ou se ele levará Ashecliffe à justiça o principal conflito dramático se torna aceitar a dor da morte de Dolores e a culpa de não apenas tê-la matado, mas de ter ignorado a sua doença, refugiando-se no trabalho e no alcoolismo.
E essa mudança se evidencia inclusive na atmosfera gradativa do enredo. O início é mais como um romance policial investigativo, enquanto no final temos uma vibe bem sombria e psicodélica, que nos deixa se perguntando se Teddy não está alucinando. O que de fato estava, mas não na maneira que imaginávamos. Quando Cawley diz que ele chegou a ilha sem parceiro é de cair o c* da bunda e é muito legal perceber que estava torcendo pra Teddy descobrir tudo e fugir, e portanto que o tempo todo torci pelo lado errado da história. Isso levanta toda essa questão de definir o que nos torna loucos. Se todo mundo te acusa de insanidade, como provar o contrário? Mas se de fato você esta distorcendo a realidade pra lidar com algum sentimento difícil, como acreditar na verdade?
Acho que o alguns pontos são mais fácil de entender no livro que no filme, que acaba apresentando tudo muito rápido, como na parte do Noyce. No entanto, o final do filme acrescenta ainda mais um tom de brilhantismo ao enredo. A adaptação deixa aquela pergunta no ar se Teddy regrediu de fatou ou se escolheu a lobotomia deliberadamente por não conseguir conviver com a verdade, enquanto no livro isso não fica exatamente claro e só parece que ele regrediu mesmo.
Pra quem nunca viu o filme, eu recomendo esse livro de olhos fechados. Uma história de mistério, cheia de pontas soltas que se amarram lindamente e que subverte tudo que você imaginou a princípio, levando a um final supreeendente que além de tudo faz refletir sobre a capacidade de lidar com a culpa e a dor ou a necessidade de criar uma outra realidade pra fugir dela.