Bruna.Adenice 29/04/2024
Um retrato não romantizado da maternidade
Ao contrário de boa
parte das obras que conheço, "A filha primitiva" NÃO traz uma protagonista mãe, que romantiza sua situação.
Pelo contrário. Temos aqui um retrato cruel, e de certo modo incômodo, da vida dessa mulher, que poderia ser qualquer uma de nós.
É um texto extremamente curto, porém de uma leitura difícil. E não digo isso no sentido da qualidade da escrita da autora, mas sim pelos temas aqui abordados.
De tão realistas, chega a ser difícil ler essa obra sem sentir-se incomodada. Só demonstra o quanto ser mulher na sociedade realmente não é fácil.
Percebemos isso, de cara, quando nenhuma das personagens são nomeadas, enquanto 9s homens recebem seus nomes. Pode-se dizer que tal artifício foi usado para dizer que o enredo representa não só aquelas mulheres, mas a cada uma de nós, que podemos passar pelas mesmas situações ou, numa visão mais pessimista, para demonstrar o quanto a mulher é tratada com indiferença pela sociedade e seria como "tanto faz, como tanto fez" ter ou não nomes, já que a história se repete sempre e pouco se importam em mudar nossa situação.
A protagonista, tem uma relação conturbada com sua mãe, justamente por causa de um dilema do passado. Ao mesmo tempo, não sente conforto algum em estar junto da filha, falta aquele tal do "instinto materno" que praticamente obrigam todas as mulheres a ter.
E, é nessa busca em resolver seus dilemas passados que a protagonista percebe que a história de sua mãe é tão parecida quanto a sua e que ambas têm situações conflituosas que repercutiram no decorrer de suas vidas.
Sim, em alguns momentos a protagonista nos faz sentir raiva, especialmente pelo modo em que ela lida com a mãe e, principalmente, com a filha criança. Porém, vemos que é um sentimento normal, pois temos aqui uma personagem humanizada e longe de ser perfeita, que retrata a vida dolorida de muitas mulheres país e mundo afora.
A obra gera incômodo, pois estamos acostumados com histórias em que há a dicotomia bem X mal, em que você é praticamente induzido a tomar um lado (especialmente se dor os dos protagonistas extremamente certinhos e perfeitos).
Ler uma narrativa que traz uma "realidade nua e crua", pode exigir um pouco mais de paciência do leitor, mas garanto que vale a pena.
Ah, e gostei que a autora é direta na sua obra, mas mantém a qualidade. Tudo está bem explanado e o leitor logo se compadece com o relato das personagens.