spoiler visualizarPaulinha 17/12/2023
Fichamento - contém spoiler
*O livro é composto por crônicas. Não vi a classificação, mas pode ser que alguns considerem como de auto ajuda. Pra mim foi mais uma comédia de stand-upem alguns capítulos, em outros uma crônica pessoal. Comparo bastante com o Diogo Almeida que me faz rir, falando das mazelas de ser professor, a Ruth, nesse texto, faz a mesma coisa, me fez rir das mazelas do cotidiano da vida moderna. E em vários pontos me fez refletir sobre diversos temas, muito importantes, e que incrivelmente, concordo com ela em diversos pontos.
Fiz um fichamento com as passagens mais interessantes pra mim:*
Era uma vez uma geração que, aos 20, ganhava o que não precisava. Aos 25 ganhava o que os pais ganharam aos 45. Aos 30 ganhava o que os pais ganharam a vida toda. Aos 35 ganhava o que os pais nunca sonharam ganhar. Ninguém podia detê-los. A experiência crescia diariamente, a carreira era meteórica, a conta bancária estava cada dia mais bonita. O problema era que o auge estava cada vez mais longe. A meta estava cada vez mais distante. Algo como o burro que persegue a cenoura ou o cão que corre atrás do próprio rabo. O problema era uma nebulosa na qual já não se podia distinguir o que era meta, o que era sonho, o que era gana, o que era ambição, o que era ganância, o que era necessário e o que era vício.
Era uma vez uma geração que se achava muito livre. Afinal, tinha conhecimento, tinha poder, tinha os melhores cargos, tinha dinheiro. Só não tinha controle do próprio tempo. Só não via que os dias estavam passando. Só não percebia que a juventude estava escoando entre os dedos e que os bônus do final do ano não comprariam os anos de volta.
E eu pensava que isso acontecia porque o computador torna as pessoas intocáveis, assim como os carros, e que, por isso, elas canalizavam toda a sua agressividade para as redes sociais ou o trânsito. Engano meu. Está generalizado, como uma peste que se espalha pelo país, e ninguém faz nada para conter. Mesa de bar, fila de farmácia, ponto de ônibus. Discursos de ódio e ignorância estão por toda parte. Acho que existe um erro de conceito. As pessoas passaram a utilizar a agressividade como um artifício para aumentar a própria autoestima.
Entendam: pessoas inteligentes não jogam pedras. E pessoas equilibradas não berram, nem mesmo via Caps lock.
Entramos numa lógica cruel que funciona mais ou menos assim: praticamente não importa o que a gente fez de bom, só importa aquilo que ficou faltando. Tudo o que ficou faltando grita dentro da nossa cabeça como se estivesse escrito em caixa-alta.
Temos muita coisa para fazer, não tem jeito. E talvez o pior não seja termos tudo isso, mas sim lidarmos tão mal com a nossa rotina e com a finitude da nossa capacidade. Não me parece que a solução seja sempre a de nos esquivarmos das tarefas (embora às vezes seja necessário). O que me parece necessário é pararmos de sentir tanta culpa. Não somos máquinas e nunca funcionaremos com perfeição. Precisamos parar de nos comparar com a amiga que posta foto na academia às 6 da manhã. Com o primo que milagrosamente consegue ser o filho perfeito. Com a vizinha que tem uma casa impecável. Com o colega que nunca sai da linha na alimentação. Com aquele casal de pais que parece nunca errar. Com a amiga que está sempre vestida como capa de revista. A gente só precisa tentar ser a nossa melhor versão. E a nossa melhor versão não vive nesses picos de estresse nem com essa angústia instalada. Temos que ser mais compreensivos com as nossas pequenas grandes falhas. Deveríamos reservar a caixa-alta para tudo o que foi feito e não para o que ficou faltando. Porque não parece razoável que justamente nós sejamos aqueles que são mais cruéis e mais duros conosco.
Num dado momento, já não sabemos, dentre as coisas que temos e a rotina que vivemos, o que está ali porque nos agrada e o que está ali porque, supostamente, faz bem para a nossa imagem... Talvez nós possamos investir num exercício diário de resgate da simplicidade. Isso é muito útil para a vida – sobretudo em um cenário de crise. Redescobrir nossos prazeres sem custo, exercitar nossa capacidade de não ligar para o que os outros pensam, bem como de não julgar as decisões alheias.
O lance é que as pessoas só sabem se comparar com os amigos que formaram a vida de propaganda de margarina.
... E que os 40, definitivamente, não são o encontro com a morte, a beira do abismo. Espero lembrar que a vida não é para ser uma corrida contra o tempo. Que a gente tem que ir andando, dando umas reboladas, umas tropeçadas e tal. E vai rindo, vai pensando, vai vivendo. Vivendo. Porque enquanto o futuro está lá, a vida está rolando aqui.
... o grande problema foi que o conceito de gourmet não parou no circuito dos restaurantes. Ele se espalhou como uma praga por incontáveis setores da nossa vida. Na verdade, acho que o processo de gourmetização acabou por contaminar estabelecimentos comerciais, serviços, lares e – o pior – pessoas.
A vida é só uma e passa correndo. Quando a gente vê, já passaram as chances e tudo o que sobra na cabeça é um triste e fosco rol de hipóteses não tentadas e de riscos não corridos.
Porque é fácil levar uma vida banal e queixar-se dela. Mas será que quando a vida não é fantástica a culpa é do destino ou a culpa é nossa? Eu não sei se a vida é curta, mas sei que essa vida é uma só. E que o tempo não volta.
O ano está aqui na nossa frente e de nada vai adiantar desintoxicar o corpo se a vida e a alma estão povoadas de hábitos, pessoas, dias e caminhos tóxicos. Parasitas, comodismos, vícios, medos. Gente tóxica. Gente cinza, amarga, invejosa, gente que gosta de problema, que gosta de doença, que gosta de discórdia, gente que vive de aparência, gente rasa. E não tem jeito, temos que fugir mesmo, cortar, evitar ao máximo. Bom dia, boa tarde e até logo. Não nos deixemos contaminar. Não adianta comer chia toda manhã se a gente odeia o emprego e já sai de casa com vontade de voltar. Não dá para achar que o corpo vai estar puro se você não acredita no que faz e passa mais de quarenta horas da semana ruminando tarefas infelizes... É um círculo vicioso: quanto mais a gente fala das coisas ruins, menos atenção a gente dá às coisas boas e a vida vai ficando ruim, ruim, ruim.
Não se torne a pessoa resmungona, que não acredita em nada nem em ninguém, que diz que todo homem é igual, que fala mal dos relacionamentos. Você nunca quis ser isso.
Pode haver um desfecho que seja aquele que a gente espera. Mas que pode não ser o que a vida nos reserva. A gente só precisa estar aberta para o que a vida oferece. As ofertas sempre continuam, não há prazo de validade nas pessoas. Boas ofertas, péssimos negócios, sapatos um número maior, batom perfeito para o seu tom de pele, livros desconhecidos. Apenas não feche a porta. Apenas não abra a porta já disposta a dizer não. Apenas não diga sim com má vontade. Apenas abra a cortina devagarzinho. Abra a janela. Tem muita coisa boa lá fora.
... sucesso é uma coisa e realização é outra, completamente diferente. Sucesso é o que os outros pensam sobre uma pessoa e seus caminhos, enquanto a realização é o que a pessoa pensa sobre as escolhas que fez na própria vida. Realização pessoal, realização profissional: alcançar a realização é encontrar a plenitude em determinadas esferas da vida, ter sucesso é simplesmente passar uma imagem de que tudo deu certo.
... no fim das contas, os cargos se vão, o prestígio se vai e só o que resta é a opinião que nós mesmos temos sobre a estrada percorrida.
Deixo apenas um grande beijo pro recalque, desejando que toda invejinha malvada se transforme em vontade de viver.
... a vida nos imputa tantas responsabilidades profissionais tão cedo que buscamos refúgio naquelas coisas nas quais podemos nos negar a crescer. Muitos evitam filhos enquanto podem. Outros fogem dos relacionamentos sérios. Vários se negam a se casar. Não porque não queiram filhos, nem relacionamentos sérios, nem casamentos. Eles querem, mas não agora. Não aos 30. Não aos 40. Não aos... E agora? Ainda dá tempo?
*Em vários capítulos ela fala da experiência e do relacionamento dela com a mãe, com o pai, irmãos, sobrinha... E é muito legal como ela se expressa, como mostra sua relação de amor com essas pessoas.
PS: O capítulo sobre o pai é sensacional, preciso copiá-lo e mandar para meu pai...*
Cochicharam enquanto passávamos pelo corredor. Disseram que nunca ocuparíamos aquele lugar. E no dia em que ocupamos, disseram que duraria pouco. E durou muito. Disseram que não merecíamos. Enquanto isso nós trabalhávamos, honrando cada segundo do que conquistamos. Disseram que éramos bobos demais. Sorridentes demais. Pretos demais. Gordos demais. Mulheres demais. Lentos demais. Novos demais. Velhos demais. Sonhadores demais. Que nossos projetos eram otimistas demais. Disseram que tínhamos fé demais. Bom, devemos informar que luta e fé nunca existem em doses excessivas e nós somos resultado disso.
*O capítulo que ela fala da PUC, me deixou de olhos marejados, porque me lembrou meus tempos de universidade... Creio que independentemente da universidade que se frequenta, quando se frequenta intensamente, esse sentimento que ela traduz tão bem em palavras, permanece.*
Hoje em dia, já viro o pescoço quase toda vez que ouço alguém dizer “professora”, não importa a hora nem o lugar. Fenômeno parecido com o que acontece com pais e mães quando ouvem essas palavras. Parece que determinados títulos se tornam equivalentes aos nossos próprios nomes, a ligação entre nós e eles é imediata. (é assim mesmo... Nota minha).
Fiquei pensando na medonha situação na qual o Brasil mergulhou e na asquerosa fala de um ministro da Educação que disse que quem pode pagar universidade, como seus filhos, fará curso universitário, e quem não puder pagar simplesmente não fará. Como professora de uma faculdade particular direcionada para a classe média baixa na zona leste de São Paulo, doeu pensar que poucos meninos como aquele voarão – sobretudo daqui para a frente. Mas como professora vocacionada de corpo e de alma, incuravelmente otimista e inconsequentemente intransigente, pensei que nada vai nos fazer parar. Nem corte, nem PEC, nem nada. Seguiremos questionando, criticando e pressionando. As salas de aula seguirão como berçário do inconformismo. E nós, professores, seguiremos firmes como seus obstetras.
Adorei como ela finaliza o capítulo sobre ser advogada: Tenho orgulho das minhas olheiras e da minha trajetória. Tenho orgulho de pertencer a essa classe que batalha pela própria sobrevivência e pelo direito alheio. Tenho orgulho de desempenhar função essencial à justiça, ainda que o mundo pareça nos ver como inimigos. Mas sabemos quem somos e quanto lutamos.
Poderia dizer que hoje tenho um rol muito mais rico e diverso de amigos. Opiniões diferentes, programas de vários estilos, trilha sonora variada. Mas não vou mentir: sinto falta de como tudo era antes. Sinto falta de quando a gente marcava um hambúrguer e pronto, chegava, ria, dividia a conta e estava tudo bem. Hoje tem que ter antecedência, tem debate sobre o lugar escolhido, tem uma leve sensação de que nossos velhos conhecidos, por vezes, se tornam novos desconhecidos – com hábitos, propostas e roteiros inéditos.
Entendi que meu olho precisaria gritar. Meu olho, minhas letras, minhas palavras. Entendi que meu grito poderia ser silenciado e que isso não poderia me fazer parar. Que hei de fazer quando meu grito for pouco? Quando meu grito for fraco e abafado? Talvez dormir, talvez chorar. Mas, acima de tudo, seguir gritando.
... Somos a geração que foi criada para ganhar o mundo. Incentivadas a estudar, trabalhar, viajar e, acima de tudo, construir a nossa independência... Não tivemos aula de corte e costura. Não aprendemos a rechear um lagarto. Não nos chamaram pra trocar fralda de um priminho. Não nos explicaram a diferença entre alvejante e água sanitária. Exatamente como aconteceu com os meninos da nossa geração. Mas nos ensinaram esportes. Nos fizeram aprender inglês. Aprender a dirigir. Aprender a construir um bom currículo. A trabalhar sem medo e a investir nosso dinheiro. Exatamente como aconteceu com os meninos da nossa geração. Mas, escuta, alguém lembrou de avisar aos tais meninos que nós seríamos assim? Que nós disputaríamos as vagas de emprego com eles? Que nós iríamos querer jantar fora em vez de preparar o jantar? Que nós iríamos gostar de cerveja, uísque, futebol e UFC? Que a gente não ia ter saco pra ficar dando muita satisfação? Que nós seríamos criadas para encontrar a felicidade na liberdade e o pavor na submissão? (...) No fim das contas a gente não é nada do que o inconsciente coletivo espera de uma mulher. E o melhor: nem queremos ser. Que fique claro: nós não vamos andar para trás. Então essa mentalidade é que vai ter que andar pra frente. Nós já nos abrimos pra ganhar o mundo. Agora é o mundo que tem que se virar pra ganhar a gente de volta.
Eu não vou dizer que vocês, pais de filhos gays, não tenham razão para se preocupar. Têm, sim. Todos os pais têm. Preocupar-se é a mais natural das características dos pais. Preocupam-se com a nossa alimentação, com os nossos agasalhos, com nossos estudos e, sobretudo, com a forma como as pessoas que povoarão nosso caminho nos tratarão. E, sim, nesse ponto eu entendo a preocupação dos pais de um filho gay. Porque tem muito imbecil por aí. Mas o mais importante é que os primeiros imbecis desse caminho não sejam os próprios pais dessa pessoa... O fato é que existem muitas léguas de distância entre o ato de aceitar e o ato de acolher. Entre a mera tolerância e a necessária compreensão. Entre o mero olhar sem censura e o tão esperado abraço que diz: “Eu te aceito, te acolho, te amo e me orgulho de você, independentemente de qualquer coisa.” Aceitar não é tudo. É só um primeiro passo. *(esse capítulo todo é lindo).*
É engraçado pensar quantas vezes nós usamos desculpas esfarrapadas para esconder nossa falta de coragem... A vida é povoada de nãos, de medos, de riscos. E sair da zona de conforto é trabalhoso. Custa coragem, custa tentativa, custa alguns erros, alguns empregos, alguns relacionamentos, algumas certezas. Mas a zona de conforto, frequente e ironicamente, é bastante desagradável. É o trabalho das 8h às 18h. O trânsito na ida e na volta. É a mesma comida, a mesma coisa na televisão. O mesmo domingo, as mesmas queixas. A zona de conforto está lá, nos cozinhando em banho-maria, matando os nossos dias devagarzinho, acinzentando nossos hábitos.
Tenho a sensação de que 99% do mundo não entendeu até agora o que é feminismo. Porque, se as pessoas entendessem, quase todo mundo teria orgulho de se dizer feminista... Acho que ser feminista não é bom ou ruim. Ser feminista é necessário. Uma vez ouvi uma amiga dizer: “A mulher que diz que nunca foi discriminada é apenas uma mulher muito distraída.” É simples assim... O machismo que limita, que agride, que marginaliza, que ofende, que diminui, mora ao lado, dorme por perto.
COMO TODOS SABEMOS, o comportamento machista não é exclusividade masculina. Há homens machistas, mulheres machistas, músicas machistas, livros machistas, doutrinas machistas. Da mesma forma, o feminismo não é uma luta apenas das mulheres. O feminismo não é o contrário de machismo, mas é a luta por igualdade entre homens e mulheres. E isso interessa a todos nós. A mentalidade machista mata, fere, humilha e reprime mulheres todos os dias, em todos os cantos do mundo. E nós precisamos lutar diariamente contra esse tipo de comportamento, mesmo quando ele se apresenta de forma sutil, disfarçado de piada, de pequena censura. Mas não são só as mulheres que são vítimas do machismo... O machismo tenta enfiar as lágrimas de volta nos olhos dos meninos, que já crescem com duas ideias erradas: a de que eles não podem ter fragilidades e a de que toda menina é frágil por natureza... misturam-se conceitos, associando profissões a orientação sexual, e, de repente, o simples fato de um homem gostar de cortar cabelos ou desenhar roupas já o torna gay aos olhos do machismo. Uma coisa não tem nada a ver com a outra, mas o machismo é muito burro.
Estamos nesse mundo no qual crianças da mesma idade vivem em dois lados diferentes: as que jogam joguinhos no nosso iPhone e as que são treinadas para roubar iPhones. É um mundo muito doente. É um sistema todo burro, todo errado e escancaradamente injusto e falido.
Aprendi que o verdadeiro Direito do Trabalho não serve só aos trabalhadores nem é prejudicial às empresas. O Direito do Trabalho existe para tentar equilibrar uma relação que é desequilibrada por natureza. Onde não há igualdade natural, é preciso que haja igualdade jurídica. Aprendi que em Estados sérios não se tenta resolver crise econômica com reforma trabalhista. Que uma coisa não se confunde com a outra. Que afirmar que uma reforma trabalhista é a salvação de um país em crise é como dizer que é possível curar um câncer tratando uma tendinite. Aprendi que a promiscuidade que existe na relação entre o Estado e as grandes empresas, sobretudo multinacionais, é uma ameaça muito maior à sociedade do que uma legislação antiquada. E aprendi que as decisões acerca da lei são tomadas exatamente por quem não depende delas.
*Os dois capítulos sobre o dicionário do machismo, são ótimos.”
Por que será tão fácil nos acusarmos e acusarmos os outros, nos condenarmos e condenarmos os outros por sermos como somos e tão difícil cultivarmos afeto pela nossa natureza?
Então chega, né? Chega de ser escrava da maquiagem. Chega de boné escondendo a testa, o cabelo ou a careca. Chega de cinta modeladora, de calcinha que aperta a barriga. Chega de barba para esconder o queixo pontudo. Chega de secar o cabelo todo dia no verão. E chega, sobretudo, de apontar essas “falhas” nos outros. Chega de ser mais um dedo que julga aqueles que já são julgados diariamente por si próprios. A gente pode gostar de tudo isto: de batom, de corretivo, de cabelo alisado, de barba, de boné. Mas a gente precisa gostar mais da gente. Precisa se abraçar de vez em quando e se aceitar do jeito que é. Precisamos elogiar os outros. Reduzir as críticas, as piadas, os risos.
... quando o assunto é boa forma, reparem na injustiça, a sina nunca acaba... Depois de tanto sacrifício podemos chegar ao final do ano esbeltos e invejáveis. E então? Receberemos um diploma oficial de magros? Um título definitivo de gostosões? Uma credencial dizendo “indivíduo em boa forma” sem prazo de validade? Nada disso. Não receberemos nada e, se vacilarmos, em uma semana já estamos roliços outra vez. É só piscar e a calça já aperta de novo. Gente, isso não é de Deus. Tem alguma coisa errada na regulamentação desse instituto. E o direito adquirido, como fica?!
Porque mulheres não são inimigas. Mulheres são as que passam papel higiênico por cima da porta quando o papel da sua cabine acabou. Mulheres são as que podem te oferecer um absorvente numa emergência ou um peito para seu filho. São as que entendem suas dores. São aquelas que deveriam ser as primeiras a estender a mão e nunca as primeiras a apontar o dedo.
Hoje descobrimos que é extremamente dolorido ter que aproveitar a presença deles em eventos com hora marcada para terminar. Almoços, jantares, visitas. Que coisa sem cabimento. Eles têm hora para ir embora? Eu tenho hora para ir embora? Não, espera aí. Irmãos não foram feitos para ir embora. Foram feitos para ficar aqui, para podermos brigar sem pressa, ofender sem querer e amar sem prazo.
Irmãos nunca deveriam ficar longe uns dos outros. Juntos sempre foi melhor. Brigando, criticando, estapeando. O problema é que a vida adulta não nos faculta o luxo do perdão automático, nem da memória curta. Talvez por isso o tempo nos obrigue a aceitar alguma distância. Talvez, depois de abandonar a infância, a distância seja exatamente o que nos mantenha mais unidos.
E amar no conforto, no sólido, no concreto é sempre lindo. Mas amar no desafio, no sacrifício diário, na corda bamba é gigante. É para os fortes.
Os relacionamentos não precisam caber todos num mesmo molde. O que é preciso é que o casal esteja dançando a mesma música. Tem casal para o qual a parceria é muito mais importante do que o tesão. Tem casal para o qual o humor é muito mais importante do que a paixão. Tem casal para o qual a liberdade é muito mais importante do que a cumplicidade. Tudo pode funcionar, desde que funcione para ambos.
E é um erro ainda maior ficarmos comparando todos esses relacionamentos com aqueles que nos vendem como superverdadeiros e que na realidade não passam de utopia, marketing ou fachada. Relacionamentos não servem para postar, comparar, idealizar. Relacionamentos servem para ser de verdade.
Faz parte da vida de todo mundo. Sofrer, muitas vezes, é um efeito colateral do amor. E às vezes parece que a dor nunca mais vai acabar, que os voos nunca mais serão altos, que o sol nunca mais vai bater no rosto como batia antes. Parece que o relógio vai ficar parado ali para sempre. O relógio da nossa vida pode até brincar de ficar parado, mas o tempo nunca falha conosco. O tempo que nos angustia é o mesmo tempo que cura. E ele vai passando mesmo que a gente não veja. Ele sangra, esteriliza e cicatriza. E de repente, não mais que de repente, você percebe que algo mudou. Não tem a ver com esquecer. Esquecer a própria história é um desperdício. Tem a ver com superar. E superar é tornar-se maior. Não tem a ver com novos amores. Tem a ver com nós mesmos, com olhar para a frente e ver um futuro sem obstáculos, sem fantasmas nem traumas do passado.
Quando eu percebi que era você PERCEBI QUE ERA VOCÊ quando comecei a abrir exceções Quando quis abrir mão de tantas outras paixões Quando quis te incluir nos meus próximos verões Quando cansei de querer proteções, de tentar fazer distinções, de ter medo de projeções. Percebi que era você quando perdi aquela vergonha Quando ri com sua baba na minha fronha Quando a rotina não me pareceu tão medonha Quando as férias foram boas mesmo sem passagem para Bolonha, Borgonha, Fernando de Noronha. Percebi que era você quando passei a confiar no destino Quando pude falar de problemas de intestino Quando comemorei por você não ser leonino Quando soube que te amaria de qualquer jeito: girondino ou jacobino e até mesmo argentino. Percebi que era você quando parei de me sentir paradoxal Quando não achei mau o seu hálito matinal Quando fiz piada sobre a situação do meu abdominal Quando quis assistir com você: Germinal, Atividade paranormal, Super Xuxa contra Baixo-Astral. Percebi que era você quando parei de depender da sorte Quando um dia me flagrei com medo da sua morte Quando quis segurar, junto do meu, seu passaporte Quando nos vi felizes ao som de Pavarotti, de Slipknot, nos refrões do grupo Pixote. Percebi que era você quando a cama ficou grande demais Quando vi meu passado ficando para trás Quando pensei em fugir, mas fui incapaz Quando não nos comparei com outros casais, quando percebi meu peito em paz e, ainda assim, queria mais. Percebi que era você quando vi despertar o melhor de mim Quando vi que o melhor possível já é assim Quando pensei em nós e tinha cheiro de jasmim Quando me dei conta de que quero cultivar nosso jardim, escrever os nossos nomes em mandarim e viver uma história que não tenha medo do fim.
E, para mim, há uma característica realmente essencial: essa pessoa precisa estar disposta a cuidar de você numa virose. Sei que não é a situação ideal para se pensar num início de relacionamento, mas a longo prazo isso pode sintetizar uma incrível capacidade de cuidar, de tolerar, de encarar, de amar.
Busque alguém que esteja lá por você. Alguém que olhe para você com carinho, ainda que você esteja cadavérico. E que, mesmo no contexto mais desagradável, te arranque um sorriso cansado e te dê a certeza de que tudo vai ficar bem. Alguém que queira te abraçar mesmo quando você estiver inabraçável e que te dê a segurança de que o amor é muito maior do que uma diarreia. O resto a gente ajeita.
LI EM ALGUM LUGAR que os relacionamentos são como as casas: quando uma lâmpada queima você não muda de casa, você troca a lâmpada. Nunca me esqueci disso. Sobretudo porque às vezes acho que as pessoas não estão tendo saco para trocar lâmpadas nem para cuidar de casa nenhuma.
O consumismo não ficou só nas prateleiras das lojas.
E sabe por que eu acredito em nós dois? Porque tem dias em que você está chato pra 🤬 #$%!& . E eu olho para o seu rosto e penso “Nossa, ele está chato pra 🤬 #$%!& ”. E mesmo assim eu quero ficar ao seu lado no sofá. Porque tem dias em que eu fico insuportável. Choro, critico, reclamo e acuso. E sei que você pensa que dentre todas as criaturas insuportáveis do mundo, eu sou a única que você suporta suportar. Porque você puxa a coberta. Eu te chuto de noite. Você ronca. Eu babo. Você fica puto porque meu celular vibra à noite. Eu fico puta porque você coloca o despertador para 15 minutos antes do necessário. E todo dia é para essa cama que a gente quer voltar, no matter what. Porque às vezes você fica preso no trabalho. E eu fico chateada porque queria que você chegasse logo, porque estar com você é a melhor parte do dia e eu não quero que ela seja mais curta. Mas eu entendo. Porque há fins de semana em que eu preciso trabalhar. E você resolve trabalhar também, na outra ponta da mesa. E uma hora a gente diz que chega por hoje e sai para tomar o ar na noite. Acredito em nós dois porque não precisamos acreditar que esse é um amor divinal. Não precisamos ser escravos do destino. Não estamos aqui pela vontade de algum astro ou de algum deus. Estamos aqui por uma única razão: nós queremos estar. E porque a gente não quer que seja blindado. Não queremos a certeza de que fomos ontem, somos hoje e seremos amanhã. O risco faz parte de tudo o que é de verdade. E disto nós fazemos questão: que seja de verdade. Com fiapos para arrancar e atrasos para tolerar, com arestas para aparar e erros para perdoar. Eu acredito em nós dois porque no meio desse mundão com tanto amor fantástico, incrível e impecável, nós somos apenas um amor de verdade.
EU AINDA NÃO SEI o que é sentir o amor por um filho. Mas sei que nós, os sem filhos, passamos aos olhos alheios por “os grandes ignorantes do amor” enquanto não somos pais – o que não me parece nada justo, pois amor de verdade não se mede em escala. Não sei o que é amar como mãe, mas nos últimos anos venho aprendendo a amar como madrasta. Posso não conhecer o sabor do sorvete de chocolate, mas amo o sorvete de baunilha com todas as minhas forças.
Chegar em casa e te encontrar é a certeza de ter amparo. De poder falar mal do cliente, mal do chefe, mal do mundo e lavar a alma. É poder dividir angústias e frustrações e ir se sentindo rapidamente curado. É saber que não há encrenca cotidiana que resista a um abraço longo e a uma hora de conversa no sofá.
Há dias em que os dois tiveram um bom dia. Outros em que um é consolo e outro é drama. Há dias em que ninguém está lá grande coisa. Mas, seja como for, é sempre melhor que seja junto. É sempre melhor abrir a porta e te encontrar. É sempre melhor estar em casa e te ouvir colocar a chave na fechadura. É sempre melhor ter seu ombro, seus ouvidos e seus olhos. E ser um ombro, dois ouvidos e dois olhos para você. É melhor quando você está. É muito melhor quando você está.
*O capítulo sobre dormir junto é o máximo, o sobre festas de casamento, também, me identifiquei muito*