Helaina 27/05/2023
Uma leitura confortável daquelas de deixar a gente com o coração quentinho
A história começa com Mary Lennox, uma das protagonistas, abandonada na Índia, país onde vive com os pais, depois que uma epidemia a deixa órfã. A questão é que a pequena menina sempre foi órfã, já que o casal pouco se importava com a filha, não tinha qualquer conexão emocional com a menina e a deixavam sempre por conta dos empregados que apenas faziam suas vontades. O estado de abandono dela era tão grande que Mary ficou esquecida na casa, depois que todos morreram ou foram embora, e foi encontrada por acaso e enviada para morar com um tio, Archibald Craven.
Outros personagens que se juntam à história: a senhora Medlock, governanta da Mansão Misselthwait e responsável por receber Mary em Londres e acompanhá-la até a residência de Craven em Yorkshire. Susan Sowerby mãe de Martha, criada da mansão e de Dickon, jovem com habilidades especiais com as plantas e os animais aos olhos de Mary, Ben Weatherstaff, um dos jardineiros, todos com sotaque característico do interior da região, algo que fica bem claro na maneira deles falarem. O pintarroxo, um passarinho muito esperto por quem a menina se encanta. E o último a aparecer é Colin Craven, outra criança também criada com o “tudo o que precisa”, menos o amor. Ainda há alguns personagens secundários, mas esses aparecem muito pouco.
"Apesar de o pai quase nunca estar por perto, dava-lhe todos os tipos de coisas maravilhosas para entretê-lo, mas ele nunca parecia estar se divertindo." Pág. 122
Não consigo dizer que me identifiquei com nenhum deles, mas li com um aperto no coração a maneira como a maioria se comporta, principalmente as crianças. As situações de abandono emocional aqui são extremas, e a reação dos adultos é achar que uma bronca ou até uma surra é o que consertaria o mau comportamento, quando na verdade falta amor na vida de todos eles para ter um pouco mais de empatia com a dor do próximo. Apenas a família Sowerby, onde as posses são poucas o amor tem de sobra, mas a riqueza aqui não é o problema e sim a dificuldade das pessoas em lidar com os próprios sentimentos. Os adultos não conseguem, preferem manter aparências ou optam pela fuga, e as crianças não tem ninguém para ensiná-las.
O livro é narrado em 3ª pessoas e enquanto lia, fiquei com receio que houvesse algum drama muito doloroso, mas a história flui de uma maneira constante e, apesar da aflição que senti pelas crianças emocionalmente abandonadas ter permanecido o tempo todo, a trama vai construindo a cura pouco a pouco.
Mesmo fora da minha zona de conforto eu adorei conhecer a história da “Dona Mary” e seus novos amigos. Eu recomendo esse livro para todas as pessoas que convivem com pessoas, pois depois que passei a observar mais antes de criticar, percebi o quanto é usual na nossa sociedade ignorar nossas experiências, nossos sentimentos, ao invés de aprender a lidar com eles. Aquela história de que todo mundo está em uma batalha interna que nunca iremos conhecer é verdade e algumas pessoas estão no meio de batalhas pessoais que nem elas mesmas conhecem. Quantas reações minha, que eu achava desproporcionais, eram apenas meu sistema nervoso tentando me proteger de traumas do meu passado… Se conhecer e ser gentil são ferramentas poderosas.
"Viver daquele jeito, sozinha em uma casa com cem quartos misteriosamente fechados, sem nada para fazer ou com quem se entreter, obrigara seu cérebro inativo a trabalhar, e sua imaginação estava realmente começando a despertar." Pág. 68
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