João Vitor 27/01/2022
Um verdadeiro terror latino-americano.
Mariana Enriquez, autora argentina, me levou a lugares extranaturais do meu inconsciente e trouxe à tona memórias de infância já esquecidas - que eu decidi esquecer. O livro começa com uma viagem de Buenos Aires até o meu estado, Paraná, de um pai e um filho, com muito mate, tereré, camisas grudadas no corpo quente ensopadas de suor, devotos de São Morte e pequenas cruzes fincadas na beira da estradas como se fosse uma marca ao tesouro. Mas não se enganem, isso é apenas o começo de tudo, a primeira camada de um livro dividido em seis partes, com seis aspectos narrativos, seis tempos diferentes. Essa é a melhor parte,
essa é a melhor parte,
essa é a melhor parte,
essa é a melhor parte,
essa é a melhor parte,
não, essa é a melhor parte.
?Nuestra Parte de Noche?, no original, nome forte, bonito de se falar em voz alta:
nuestra
parte
de
noche,
é um romance monumental, um verdadeiro terror latino-americano, com referências místicas, históricas e culturais da América Latina, Europa, África e dos povos indígenas e ciganos. O horror dos anos da ditadura na Argentina é o plano de fundo de uma história sobrenatural e macabra, revelando que em todo lugar, em qualquer plano, tempo, seitas ou famílias, existe o oprimido e opressor, o abuso de poder e a perversidade. Se ao menos - aqui - os familiares pudessem saber o paradeiro dos corpos desaparecidos por meio das cartas. O romance, além de todo teor mediúnico, gótico e do mistério ocultista que o cerca através do tempo e espaço, também fala sobre amizade, laços familiares e as complexidades do amor, dos limites do corpo humano, da mente e do espírito.
Quero estudar Tarô, como Yeats, viajar para Buenos Aires, confiar mais nas ficções especulativas, ler mais autores latino-americanos. E, quando passar pelo rio Paraná, lembrar que os redemoinhos e as águas traiçoeiras são efeitos dos mortos.
Escrevo sobre livros no meu insta: @jojoaaao