spoiler visualizaranna v. 14/10/2021
Maravilhoso
Fui arrebatada por este livro, uma linda e comovente história sobre amor, luto, casamento, família, perda, arte. Os personagens são a família próxima de William Shakespeare, mas o próprio Will, embora seja um personagem central, nunca é nomeado. Ele é sempre citado em relação aos demais. Assim, ele é "o marido de Agnes", "o filho de John/Mary", "o pai de Susanna/Hamnet/Judith", "o irmão de Eliza/Edmond/Richard", "o cunhado de Bartholomew" e assim por diante. Essa opção da autora, que achei original, é bastante eficaz no sentido de tirar o foco de tudo o que o nome "William Shakespeare" representa. Nessa história, ele é apenas, de fato, o pai/filho/marido/irmão/cunhado, e nunca o maior dramaturgo de todos os tempos.
Narrado em duas cronologias que se encontram ao final da parte I, o livro vai contando as histórias do casal Will e Agnes (passado) e a história de Hamnet (passado), filho do casal, aflito ao ver que sua irmã gêmea Judith está doente mas não aparece ninguém que possa ajudar.
Acometida pela peste que varreu a Inglaterra no final do século XVI, Judith acaba por sobreviver, mas Hamnet morre em seu lugar, de maneira completamente inesperada. Tudo é narrado com muita delicadeza e poesia, mas sem nunca ficar enfadonho ou pretensioso - duas características que infelizmente acho tão frequentes na dita ficção literária contemporânea.
A verdadeira protagonista é Agnes, personagem memorável, uma mulher meio selvagem, que criava uma falcão de estimação e conhecia tudo sobre ervas e medicina natural. Sua dedicação linda aos filhos, sua determinação em salvar seu casamento, sua relação especial com o irmão (outro personagem riquíssimo), tudo isso faz com que ela domine o romance do início ao fim. O sofrimento atroz com a morte do filho, a incompreensão de como seguir vivendo depois disso, a mágoa com o marido que vai para Londres e não volta mais, fica só mandando mais e mais dinheiro, tudo isso faz com que Agnes cresça em estatura ao longo das páginas.
E o final, quando ela assiste pela primeira vez a uma peça do marido ("Hamlet", claro) e se vê cativa das palavras dele, dos sentimentos que ele evoca... é poderoso.
Recomendo com muito entusiasmo.
Obs: Quanto mais leio sobre a vida de Shakespeare, mais me convenço de que é impossível que aquele filho de luveiro provinciano de Stratford seja o verdadeiro autor de tantas peças tão sofisticadas, com tantos detalhes sobre assuntos que alguém com aquele perfil não poderia ter (para não falar do conhecimento absurdo sobre a Itália, onde se passam tantas peças). Concordo com a corrente que defende que o William Shakespeare histórico de fato existiu, claro, era dramaturgo e ator, nasceu em Stratford, fez carreira em Londres, escreveu algumas peças, mas foi testa-de-ferro para alguém que não queria relacionar seu nome a peças de teatro (provavelmente alguém importante, membro da nobreza ou algo assim). Fui convencida pelo livro "Introdução a uma Polêmica Fascinante", de Remo Mannarino.