Prim 04/11/2023
Kafka e a metamorfose
Que novela curiosa.
Nos textos de apoio da edição da Antofágica, um dos autores convidados comenta que o Kafka costumava ler/contar suas histórias aos amigos com altas risadas. O autor convidado parecia achar isso surpreendente, tendo em vista o quão pessimista e angustiante seriam os textos kafkianos.
Pensando bem, em A metamorfose especificamente, não sei se há tanto pessimismo assim. E consigo imaginar o Kafka reunido com seus amigos e soltando gargalhadas ao contar a história infeliz do pobre Gregor Samsa.
Não me entendam mal. Deve ser terrível acordar e se descobrir metamorfoseado em um inseto monstruoso. Deve ser terrível passar por tudo que o Gregor passou, com o abandono e desprezo da própria família.
Mas cada linha é um deboche. Uma crítica mordaz à forma como o mundo é conduzido. É inteligente e espirituoso, mas cruelmente sincero e humano.
Eu poderia falar sobre as camadas interpretativas. Sobre minha leitura pessoal da situação narrada. Ou dizer simplesmente que gostei do livro e ponto.
Mas o que quero deixar aqui registrado foi a sensação de liberdade. Gregor se ver transformado, reclama, sente, é machucado e se encontra no fundo do poço por assim dizer. Mas encontra liberdade em momentos estranhos.
A família de Gregor também passa pelo mesmo processo. Tristeza profunda e então momentos de expiação e liberdade.
Não me parece uma novela tão bizarra como vi algumas pessoas falarem. Há diversas situações em que se pode fazer um paralelo. E não precisa de tanta imaginação assim, basta lembrar de como pessoas com doenças mentais ainda são estigmatizadas. Escondidas e esquecidas.
No fim das contas, valeu cada linha lida e é uma obra para ser relida de tempos em tempos.