Lisa 28/11/2023
A sinceridade da voz de uma nação silenciada
No volume II, Tomo III, 2°parte de Guerra e Paz, Tolstoi diz que "A guerra não é uma amabilidade, e sim a coisa mais cruel da vida, e é preciso entender isso e não brincar de guerra. É preciso levar a sério e com rigor essa terrível necessidade... senão a guerra acaba sendo esse entretenimento predileto de pessoas ociosas e levianas... O objetivo da guerra é o assassinato, os instrumentos da guerra são a espionagem, a traição e o seu encorajamento, o extermínio dos habitantes, a pilhagem dos seus bens ou roubo para o abastecimento do exército, a fraude e a mentira, chamadas de astúcias militares;" Tolstoi se refere as guerras de 1812, as invasões napoleônicas a Rússia, entretanto é assim que nos sentimos ao ler este livro.
Em 1858, as tropas de Napoleão realizam a primeira invasão, em 1887 a França impõe sua colonização e cria o que se convencionou a ser chamado de Indochina francesa (atual território do Laos, Camboja e Vietnã), assim permanecendo por todo o período da Primeira e Segunda Guerra Mundial, vindo a dividir esse domínio com o Império Japonês em 1940.
?As montanhas cantam? está longe de ser o meu primeiro contato com a história do Vietnã, mas foi sim, o primeiro em que essa história me foi contada pela voz de quem viveu e padeceu dos horrores da Guerra. Iniciando em meados de 1920, com o nascimento da avó da protagonista, a história de seu país e de suas inúmeras ocupações é narrada, com todos os horrores de guerra que foram tão esmerosamente varridos para baixo dos panos pelas grandes nações. Afinal, a história é com frequência reescrita por aqueles que detém o poder.
Embora sistematicamente dominado, o Vietnã nunca deixou de lutar. Em 1941 nasce o Viet Minh, liga pela sua independência. Os vietnamitas sobreviveram a Grande Fome em 1944, episódio em que mais de 2 milhões de pessoas inocentes foram mortas através das maiores atrocidades de guerra já cometidas na história, pelas mãos dos japoneses, que hoje se recusam a reconhecer e responder por seus crimes, que hoje reescrevem sua história como apenas vítimas do bombardeio estadunidense. Nguyen deixa escorrer de cada linha o sofrimento e terror dessas vidas perdidas. Em 1945, Ho Chi Minh declara o fim da Indochina, em 1954 a conferência de Genebra repetindo a solução salomônica coreana, reparte o Vietnã em Norte e Sul e dá-se inicio a uma nova era de terror. Em 1973, o EUA após vasta atividade bélica se retira finalmente, em 1975 termina oficialmente a longa Guerra do Vietnã, deixando para trás um país quebrado.
Desse modo, enquanto país independente e unificado o Vietnã tem somente 45 anos. Séculos de exploração e colonizações por, citando o Tolstoi no começo, entretenimento de pessoas levianas e ociosas. Ho Chi Minh foi um ditador comunista, responsável pela Reforma Agrária e a perseguição e morte de milhares de vietnamitas inocentes, entretanto, foi também, o homem que até o fim se prostou de pé, fiel ao seu sonho de tornar seu país livre e independente de toda dominação, a muito custo e sem viver para ver esse dia, o conseguiu. Há muita coragem e força na história desse país, é provavelmente a história que mais admiro e a que mais me dói.
Nguyen Phan Quê Mai fez justiça a história de seu povo em uma narrativa dolorida e pura, do local de quem ja viu ?mortes e violência o suficiente para saber que só há uma maneira de falar sobre guerras: com sinceridade. Somente assim podemos aprender sobre a verdade.? E conseguiu, infelizmente a história se repete, as mesmas figuras do tabuleiro permanecem hoje em recusa a aprender.