Julhaodobem 19/07/2021
Sei la, a leitura foi assim
Quando lemos um livro nacional, na maioria das vezes não nos damos ao trabalho de investigar mais a fundo sobre a sua origem, quando nos interessamos junto com um pequeno empurrão nos impressionamos com a magia que um escritor Brasileiro pode fazer. Auto da compadecida foi uma obra literária e artística que é a prova de que a cultura neste pais vale extremamente a pena de ser consumida, interpretada e gasta com inúmeros valores pois mostra um dos retratos culturais deste Brasil. Conheci finalmente o autor, Ariano Suassuna graças ao clube do livro que participo, focado em literatura Brasileira criado pela professora de literatura e Jornalista Taty Leite, antes disso via apenas mínimos vislumbres ou citações, além do filme dos anos 2000. Suassuna me fascinou pois foi uma peça a mais no meu pequeno conhecimento sobre o Nordeste, uma terra que é excluída pelos brasileiros mais privilegiados, um lugar que ultimamente está me atraindo pela língua, arte, história e cinema. Ariano Suassuna foi um homem que defendeu por toda a sua vida a literatura Brasileira de uma forma que até então nunca tinha visto, falava com um amor puro, se emocionava e não guardava fôlego ou palavras para mostrar seu amor pela literatura nacional junto com a arte e a cultura indígena, com seu jeito didático e humorístico falava de uma maneira critica que seduzia as pessoas a ouvirem o que ele tinha a dizer. Portanto não tinha como não começar está resenha com uma reflexão com um pequeno comentário pessoal sobre este autor. Sua forma de ver o mundo mesmo com uma história de vida trágica, mesmo assim defendia a sua nacionalidade e inspirou e ainda continua, milhares de pessoas no Brasil. Penso como seria fascinante conversar com este autor que somente em sua primeira obra que li me conquistou, de conversar com ele e perguntar questões sobre a vida e rir de suas piadas sobre os europeus. Assim, chego desta forma com a unica maneira de viajar no tempo é lendo os livros destes escritores fantásticos, algo que aconteceu aqui com Auto da Compadecida, uma obra literária, uma peça de teatro e uma critica social perfeita que mostra questões religiosas até hoje com suas adaptações artísticas, literárias e Cinematográficas, tudo isto produzida pela cultura brasileira.
Assim, para Suassuna nada se cria, tudo vem de outro lugar, nossas formas de interpretação, a forma como fazemos a arte e literatura. O mundo a cada século vira um punhado de referências com várias interpretações, nada é novo mas sim um reprodutor de novas respostas. Uma das influências mais chamativas no Auto da Compadecida é da obra de Gil Vicente com O Auto da barca do inferno na idade média, o auge da escola literária o Trovadorismo com o formato de peças burlescas e refletidas com a sua época. Esta influência está presente na arte de Suassuna principalmente no circo com a peça onde ocorre um novo formato criado junto com ele e outras pessoas, O teatro armonial que tem o objetivo de juntar a arte eurodita e a arte popular nas peças teatrais criando algo único junto com as histórias brasileiras pois Ariano era um grande protetor delas. Também é possível perceber que a literatura de Cordel está presente nesta obra, um grande influenciador para a peça pois algumas histórias o autor encontrou em pequenos folhetins de cordel, onde criou algo novo neste Auto, colocando o seu jeito Nordestino e escritor nato. A palavra Auto é algo também que pouco conhecia seu significado, entretanto me mostrou um novo mundo de vários títulos que antes lia e não entendia seu real propósito. Com o título Auto da compadecida, a palavra Auto refere-se a tudo aquilo que é voltado para a religião com tom cômico, uma forma de satirizar assuntos que esta instituição condena até hoje, pois "fere" seus métodos divinos. Portanto, com tantas influências e misturas,este livro e a peça mostra uma história interessante e diferente de tudo que já tinha sido feito na literatura e na arte brasileira, produzindo personagens que ganham presença ao longo da narrativa de uma forma em que cada um se completa.
Como todos os livros de Ariano Suassuna, os personagens representam arquétipos. Assim, sempre representam algo dentro de suas histórias, uma categoria ou uma classe social e em Auto da Compadecida não é diferente. Cada personagem colocado representa alguma ideia ou representação de algo a mais, colocado por meio de suas ações ou costumes que são mostrados ao longo do livro fazendo os leitores e leitoras perceberem criticas, interpretações interessantes do Brasil e também ideias que estão presentes ao redor do mundo. Com isto há também uma mistura de coisas fantasiosas mas que ligam-se com fatos reais, uma forma de transformar questões da narrativa em uma forma de entretenimento, com um pouco cômico em algumas partes que constrói ao longo do livro momentos interessantes por meio de algo que seria impossível acontecer mas que é ponderado pois faz sentido neste universo, fazendo que os leitores entendam o que no intimo ficam com vontade de possuírem estas fantasias para si em meio ao cotidiano de uma real infinidade de teorias que deixam a magia e o sobrenatural para traz, impossibilitando a imaginação humana de criar mundos em suas mentes para satisfazer sua vontade de descansar as vezes do mundo feito de concreto. Portanto, um personagem importante é o Palhaço, o que não é um spoiler, ele serve como uma ponte para o mundo real e o mundo de Auto da Compadecida pois mostra-se como um personagem que consegue ser quase o narrador onisciente cada vez que aparece para liderar a peça. Fazendo assim que a fantasia e a realidade ligam-se com quem a consome, seja pela leitura ou pela peça teatral que é o objetivo deste livro.
--- Ato 1 ---
No primeiro ato percebe-se já no começo algumas criticas interessantes. Uma crítica escondida entre atos feitos por personagens ligados com a igreja católica, com falas muito bem colocadas entre um sentido humorístico que nós é apresentado, uma característica muito presente em Autos onde uma critica a religião esta sempre presente em suas histórias. Uma das formas criticadas já no começo é a forma da benção, algo que em nosso cotidiano está muito presente e que a cada dia mais distorcida da realidade, como das bençãos em troca de dinheiro para os padres e bispos, em troca benzem qualquer coisa, como por exemplo algo que muitos fazem no Brasil, mandar benzer os carros antes de viajar entre outros objetos materiais que não possuem um significado religioso mas estes homens o fazem pois o lucro para alguns é mais importante. Portanto, isto me fez refletir em várias outras demonstrações falsas de religião que são propagadas até hoje, como comprar um lugar no céu, comer um pedaço de açúcar ou se dar para um pastor pois este diz que é a salvação universal. Não estou atacando todas as instituições, até porque temos que respeitar um Lancelot mesmo que não acreditemos em deus, mas ver que esta forma é exposta na obra,existe ferrenhamente até hoje no mundo, vemos que como isto é difícil de mudar em nossa sociedade e que o próprio Suassuna que tem a sua parte religiosa também mostra isto em seu mundo. Assim, já no início percebemos o poder crítico que está escondido entre as entrelinhas da peça pois consegue nos fazer pensar que talvez nem tudo é tão correto e que o avanço capitalista do lucro sempre estará empregnado entre questões da religião.
Com a inspiração de Suassuna depois de ler dois cordéis sobre histórias que aparecem na obra, há aspectos que são percebidos de acordo com a nossa língua e cultura no Brasil. O personagem Chicó ( me lembra chicória mas não tem nada haver, gosto de legumes apenas) nos mostra uma representação do povo brasileiro, não é a única mas uma que é muito apresentada ao longo do livro. A representação de um povo brasileiro medroso, fantasioso e com histórias mirabolantes que só quem nasceu no Nordeste sabe contar bem, com a sua oratória que mostra-se possível de contar histórias em momentos totalmente desconexos mas que conseguem a atenção necessária de ser ouvido. Em contraponto há um sarcasmo indireto aos portugueses coloniais, são citados de acordo com os acontecimentos da peça, seres inferiores e não humanos. Diante deste cenário, há uma "zoação" com a colonização deixando claro a posição, uma brincadeira escondida entre falas dos personagens deixando claro a opinião do autor, não um lugar de ódio e preconceito ,pelo contrário, Suassuna mistura muito bem o humor com sua crítica social, resultando em algo rebatedor mas que não é um ataque gratuito, onde a peça e a arte de Ariano Suassuna conseguem fazer com tempo certo. Assim tornando-se uma referência aos portugueses e brasileiros com suas peculiaridades em Auto da Compadecida que por meio da escrita consegue balancear entre os personagens o humor e a forma com que a história se desenvolve entre a trajetória da narrativa.
A burguesia está presente em todos os lugares e nesta obra conseguiu fazer um papel importante no livro. A aristocracia nordestina presente no Auto da Compadecida é a tipica elite ligada a Igreja para se beneficiar com o poder que a religião possui na cidade. Personagens que se colocam como grandes cidadãos somente por terem algo material, um comércio, empregadores pobres mas que os tratam com desdém pagando-os mal e colocando eles em condições desumanas de trabalho. Me pareceu algumas condições trabalhistas aqui no Brasil até hoje e este livro reflete muito bem esta relação com o lucro entre a elite e o trabalhador, pessoas bem vestidas que se fazem de perfeitos mas que possuem seus podres escondidos. Além da ligação com instituições poderosas como as Igrejas, por meio de pessoas que compartilhem suas ideias para com o dinheiro. Assim, usam a religião como palanque para ganharem dinheiro, algo que o livro deixa bem claro, não é a religião, são as pessoas que a usam para alcançar seus objetivos no qual a burguesia se aproveita para ter mais lucro e poder como é retratado na interpretação de Suassuna em formato literário e humorístico. Portanto, a burguesia retratada é uma reflexão de como o dinheiro pode ser usado para meios que quebram os dogmas, onde elitistas se aproveitam para aumentar seus lucros, não se importando o que pode vir como consequência desde que seus bolsos fiquem mais pesados a cada dia.
--- Ato 2 ---
Neste segundo ato a presença de um costume de certos personagem está presente em todo o livro por meio deles, Os Arlequins. Uma forma de teatro que inspirou milhares de formas midiáticas na cultura ocidental, personagens malandros e desconexos da sociedade que tentam pela mentira e o humor sobreviver ao mesmo tempo que tentam lucrar. A partir disso me fez lembrar de vários Arlequins pela cultura em geral, o próprio coringa da DC comics e a Arlequina, algumas comédias do ator Jim Carrey ou o carismático Loki do universo Marvel nos cinemas. No Auto da Compadecida esta estética ocorre também em forma da arte popular, com dois personagens importantes, o Arlequim como já dito, um ágil, malandro e esperto que busca sua ascensão por meios não muito aprovados. Também temos o Pierro que suas principais características é o cara das piadas e geralmente o mais pobre. Assim, com está dupla dinâmica temos a fórmula básica de uma história onde podemos usar a imaginação para moldarmos da forma que o autor quiser, os Arlequins brasileiros por assim dizer que no livro é bem balancear com a cultura nordestina mostrada por Ariano Suassuna e sua forma humorística. Portanto o começo do segundo ato mostra-se uma forma artística que mistura com os Arlequins e a mente fantástica do autor em criar histórias que usufruem da cultura brasileira demonstrada com está forma de arte que está enraizada há séculos na história humana mas que mesmo assim consegue até hoje ser a base para novas histórias em diferentes culturas pelo mundo.
As histórias populares também estão presentes de uma maneira que contribui para a história contada. Colocada por meio de um importante personagem, mostra uma visão fantasiosa e cultural do brasil, misturando fatos do Nordeste que é o domínio de Suassuna, como as peripécias dos Arlequins. Assim, com está mistura as histórias populares criam embasamento que faz parte de um certo personagem, conectando com algumas características, aos Arlequins e ao próprio Nordeste de Ariano Suassuna. Com isto percebe-se uma semelhança com outras obras que fazem parte da literatura mundial, o que é normal pois é praticamente impossível criar algo novo em uma era contemporânea. Quando Auto da Compadecida começa a rodar o mundo várias críticas que não se deram o trabalho de conhecer a cultura brasileira, criticam de acordo com a sua própria bolha Européia, dizendo que o autor copiou ou se inspirou em obras francesas, mexicanas ou inglesas mas tudo não passava de belíssimos folhetins de Cordel, que também se baseou em outros causos. Portanto, é normal alguns dizerem que vêem alguns personagens da obra um Dom Quixote ou um Gil Vicente pois estas artes literárias fazem parte da história humana, as vezes até sem sabermos de sua existência, o que dificulta e resulta na incerteza de dizer que Suassuna plagiou a história, algo improvável pois ele cria a sua visão de uma história e não deturpa algo para si, trazendo desta forma algo para o livro de uma cultura mundial que está presente em todos os lugares com suas respectivas interpretações relacionados com a cultura vigente.
Na obra percebe-se algumas analogias interessantes que se juntam entre as discussões do livro. Uma que me chama atenção é a referência que o dinheiro é algo ruim, algo que fede e mal usado para propósitos mundanos. Isto me fez lembrar de vários motivos que se ligam nesta questão, o consumismo desenfreado que o mundo passa a cada dia, uma vontade animalesca pelos bens materiais e o dinheiro no centro de tudo como a única forma de conseguirmos a felicidade, custe o que custar. Logo, isto transforma o dinheiro em algo que mata, sangra e destrói a mente das pessoas que se escondem por trás do lucro. Se não o tem, você é pobre e consequentemente passa fome, uma característica que também é retratada no Auto, ouso dizer de uma forma única e inédita em minha vida de leitor. Ariano dá uma cor para a fome, o amarelo, algo difícil e que é sofrido por alguns personagens por toda sua vida. Diante desse cenário, essa cor aparece em várias frases que encaixam perfeitamente no seu devido tempo, trazendo uma sensação do amarelo com a fome por causa do poder autoritário de instituições mais privilegiadas. Para tanto, instituições que permeiam a religião na obra com uma critica ferrenha ao lucro nas igrejas, onde a cada dia ganhar mais dinheiro enquanto usam a palavra da Bíblia como desculpa para se enriquecerem, enquanto os verdadeiros religiosos são tratados como uma ameaça e mediocridade pois ajudam de verdade os pobres e criticam a elite, me lembrando vários exemplos reais o que me mostra que em todos os lugares não existe somente um lado, citando mais uma vez um senhor Lancelotti que batalha pelos pobres com suas próprias mãos e uma instituição que se diz religiosa mas que é expulsa da Angola por motivos corruptos. Portanto estás analogias podem parecer distantes da nossa realidade no início mas parando para refletir e nos questionarmos seus verdadeiros motivos, veremos que estás passagens que aparecem neste livro podem ser mais reais do que imaginávamos.
--- Ato 3 ---
A forma do julgamento dos mortos é importante para compreender a temática deste livro, especificamente no ato 3 da obra. Uma forma típica da justiça humana, uma sátira para a realidade, junto com outros já falados ao longo do livro que consegue aumentar a qualidade. A figura do diabo me lembra os típicos advogados que amam ganhar a causa a qualquer custo, um personagem que se esconde diante de belas palavras e acusações peculiares que mudam a percepção do juri, fazendo os próprios leitores concordarem com os pecados de quem está sendo julgado, além das características religiosas que estão presentes ao longo da obra e que encontram o seu auge com o último ato. Uma parte do livro que todos esperam, seja por causa dos filmes ou pela peça. Ariano Suassuna consegue nos transportar pela sua escrita em formato de Auto de uma maneira leve e poderosa, tornando o julgamento o ápice do livro. Portanto, o diabo transforma a forma do julgamento que é muito bem colocado como uma forma de criticar está maneira judicial, como também satiriza algo que a sociedade não quer ver.
Portanto, Auto da Compadecida possui muitas peças que glorificam a literatura brasileira, seja pela cultura ou pelo teatro. Quando comecei a ler não imaginava que um simples livro poderia ter tantas histórias e críticas sociais que estão ligadas com o popular brasileiro até hoje. Além de me mostrar mais um pouco da cultura Nordestina com sua própria literatura por meio de personagens cativantes, espertos e humorísticos que Ariano Suassuna escreveu bem, relato mesmo que tenha sido seu primeiro livro que li, pois agora sei, quando encontrar um livro de Suassuna nos lugares que visitar vou comprar sem pensar muito. Isto abriu a minha mente para a literatura brasileira pois, citando com gosto a qualquer brecha que puder, ao clube de leitura conjunta do canal do YouTube Vá ler um livro, dirigido ao estilo DJ pela Jornalista, leitora e professora de literatura Taty Leite, a pessoa que há alguns anos tirou as minhas dúvidas e me apresentou a literatura em geral de formas didáticas mas ao mesmo tempo divertida para todos. Assim, Auto da Compadecida foi uma leitura que ri, me emocionei, fiquei com raiva mas também consegui uma nova bagagem com a literatura Brasileira entre suas críticas e novos amigos leitorxs por este Brasil a dentro que se transformou e continua de várias formas. Eu sei disso, porque sim pois só sei que continua sendo assim.
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