letscia 01/03/2024
35 (2024) eu mirando seu rosto. ele, os meus pés.
"E disse com tal dor, com tal desesperança que a frase açoitou o cemitério da pobreza. Porque uma frase só existe quando é a extensão em letras da alma de quem a diz. É a soma das palavras e da tragédia que contém. Se não for assim, é só uma falsidade de vogais e de consoantes, um desperdício de som e de espaço."
A obra "A Vida que Ninguém Vê" é singular, focando no cotidiano ordinário e nas histórias daqueles que frequentemente são ignorados pela sociedade. Esta coletânea não apenas toca o coração do leitor, mas também o faz enxergar a vida que muitos optam por não observar. Todos os relatos são marcantes, palavras de pessoas que enfrentaram diversas dificuldades na vida, mas que lutam diariamente por um lugar na sociedade. Infelizmente, nem todos tiveram uma vida longa: aos seis anos de idade, Camila faleceu devido às falhas de muitos ao seu redor. Como a autora diz: "A questão é saber quantas Camilas precisarão morrer antes de baixarmos o vidro de nossa inconsciência".
Indivíduos como Eva - que teve uma paralisia cerebral e conviveu a vida inteira com tremores - lutaram para não serem vistos como "coitados" pela sociedade. Ela se esforçou para que ninguém tivesse pena, enfrentando não somente o preconceito e as dificuldades financeiras, mas também a resistência do sistema. Dona Maria, outra lutadora, apesar da falta de acessibilidade financeira, iniciou sua alfabetização em idade avançada, perseguindo seu sonho e mudando sua vida. E antes mesmo de iniciar seus estudos,
Dona Maria se esforçou para proporcionar aos seus filhos o acesso à educação que ela mesma não teve durante sua juventude. A desistência de três professoras e a caminhada de 45 minutos até o colégio, devido à falta de dinheiro para pagar o ônibus, não foram suficientes para fazê-la desistir. A sede por leitura era algo que a consumia há tempos.
O livro apresenta diversas outras histórias inspiradoras e comoventes. A escrita sensível e impactante me cativou profundamente, assim como a diversidade das narrativas. O título desta resenha remete a um instante que me marcou: o encontro entre Eliane e Alverindo, um homem com deficiência em situação de rua. Esse momento de troca de olhares exemplifica o propósito do livro, que busca subverter as "regras do jogo" e dar voz aos que há muito foram silenciados.