Alan 11/05/2022
A GUERRA CORROMPE O TEMPO, E É ASSIM MESMO...
Após testemunhar a morte em massa de milhares de civis em um ataque surpresa das forças aliadas à cidade de Dresden, na Alemanha, onde mais de cem mil pessoas foram mortas, em sua maioria por asfixia ou queimaduras, o autor americano Kurt Vonnegut, sob a perspectiva do inapto e estabanado Billy Pilgrim, expõe os traumas vividos por ele quando prisioneiro de guerra durante o desenrolar da segunda guerra mundial, dando origem à Matadouro-cinco, uma de suas mais emblemáticas obras.
Por intermédio de uma narrativa não-cronológica ? em que o protagonista é, nas palavras do próprio narrador, solto do tempo ?, acompanhamos a experiência de Billy como combatente na segunda guerra, paralelamente a sua vida como cidadão americano, impactada pelas sequelas permanentes deixadas pela guerra, até sua abdução por uma misteriosa raça alienígena do longínquo planeta Tralfamadore.
Dando forma a trama através de uma escrita descomplicada e ? tendo como seu principal pilar ? um forte tom de humor negro aliado a elementos de ficção científica, Vonnegut abre mão dos arquétipos e clichês que perpetuam uma visão romantizada dos conflitos, desencantando qualquer admiração do leitor a tais eventos históricos ao articular uma narrativa fortemente anti-guerra. Assim forjando uma ácida e surrealista obra-prima que escancara os horrores vividos pelos peões do conflito bélico.
Billy Pilgrim, com seu destino até a abdução inevitavelmente já traçado, passa a vivenciar o tempo fora da linearidade, onde qualquer momento da vida do protagonista, violando todas as leis da realidade, acontece a qualquer instante. Na estória, segundo a raça tralfamadoriana explica, o tempo está condensado e tudo ocorre em um único momento. Sendo o trauma vivido por Billy na guerra, portanto, simultâneo, imparável como as cataratas de um rio. O trauma é permanente, perpetuando-se na vida do personagem até a sua unidade mais infinitesimal. Foi, é e será eterno e irremediável. E é assim mesmo...