Valéria Cristina 13/01/2023
Atemporal
“Os Irmãos Karamázov” é uma obra-prima e muito já se escreveu a seu respeito. Aqui, deixo apenas as minhas percepções sobre esse clássico.
O último livro escrito por Fiódor Dostoiévski, conta a extraordinária história da família Karamázov: Fiódor, Dmitri, Ivan e Alexei. Ainda, de diversas personagens que contribuem para a trama.
Todas as personagens são extremamente complexas. Vemos um dissoluto Fiódor Karamázov, pai ausente dos três moços que percorrem o romance. Para além da dissolução, temos uma personagem avarenta, tomada pela luxúria e que não teve pejo em lesar os filhos emocionla e economicamente. Fiódor representa a antítese do pai ideal. Abandonado pela primeira mulher e, depois, viúvo da segunda, ele abandona os filhos ao cuidado de Grigóri, o empregado da casa, até que almas piedosas se incumbem da educação das crianças.
Dmitri, o mais velho dos irmãos, é violento e apaixonado. Tem um temperamento explosivo e inconsequente. Ivan, em algumas resenhas, é descrito como niilista, todavia, dotado de intelecto privilegiado, vemos sua luta com as crenças no final do romance. Alexei, Aliocha, descrito pelo narrador como o herói da narrativa, é realmente adorável e apaixonante. Com uma ética profunda, tendo frequentado o mosteiro, representa, na minha visão, a pureza na história.
As opiniões de Ivan e mestre Zózimo (monge) me remeteram à filosofia oriental, em especial a Voz do Silêncio (livro trazido à luz por Heleva Petróvina Blavatski). Ainda, percebi referências claras à Kant e seus imperativos categórico e hipotético, à filosofia socrática perpetuada por Platão, bem como à Bíblia.
Além dos irmãos, temos o invejoso e ressentido Smerdiakov, filho bastardo de Fiódor; Katerina, a noiva abandonada de Dmitri; e Grúchenka, seu grande amor e cuja paixão é o móvel do romance.
A história se passa da cidade imaginária de Skotoprigônieuski (em russo: cidade para onde o gado é levado). Destaco que essa informação aparece apenas na página 658 da edição da Martin Claret. Bem, nesse cenário acompanhamos a vida dessas personagens que envolve paixões, ciúmes, disputas, desconfianças e vinganças, temas desenvolvidos magistralmente.
Dostoiévski introduz os temas como pétalas de vão de abrindo até o ápice da narração quando um crime é cometido. Anterior a esse momento, há a disputa amorosa entre Dmitri (Mítia) e Fiódor pelo amor de Grúchenka que, por sua vez, desdenha de ambos; e, algum nível, entre Ivan e Mítia pelas atenções de Katerina. Os embates e os diálogos que compõem essa fase do romance são viscerais e levantam grandes questões existenciais.
A partir do crime, o romance toma a forma de uma extraordinária história policial. A investigação nos brinda, durante os interrogatórios, com jogos psicológicos intensos. Nesta fase vemos como Dostoiévski contrapõe a visão de testemunhas, promotores, advogados e acusado acerca do fato. O leitor, que conhece o que verdadeiramente aconteceu, pode se deliciar com os arrazoados da promotoria e da defesa. Todos perfeitamente possíveis.
O item IX, do Livro XI descortina a comicidade e a ironia do autor quando Ivan conversa com o diabo. Na minha visão, um dos melhores textos do livro. Disposto como um delírio, vemos o tema da fé, da liberdade de crença, da espiritualidade são neste tópico apresentados.
Dostoiévski – foi um escritor russo, considerado um dos maiores romancistas da literatura russa e um dos mais inovadores artistas de todos os tempos. É tido como o fundador do existencialismo, mais frequentemente por Notas do Subterrâneo, descrito por Walter Kaufmann como a "melhor proposta para existencialismo já escrita."
A obra dostoievskiana explora a autodestruição, a humilhação e o assassinato, além de analisar estados patológicos que levam ao suicídio, à loucura e ao homicídio: seus escritos são chamados por isso de "romances de ideias", pela retratação filosófica e atemporal dessas situações. O modernismo literário e várias escolas da teologia e psicologia foram influenciadas por suas ideias.