@fabio_entre.livros 15/02/2020
Inspiração para uns, nostalgia para outros
Sherlock Holmes está para a literatura como a Mona Lisa para a pintura, tamanha é a sua popularidade. Aliás, tal popularidade chegou a aborrecer imensamente o autor, que alegava que o personagem o impedia de escrever “algo melhor” em outras áreas da literatura. Queixas à parte, além de sua prolífica carreira no ramo da literatura policial, Conan Doyle se aventurou por outros gêneros, como a ficção científica e especulativa, da qual este “O mundo perdido” é sua obra mais conhecida.
Publicado em 1912, este livro inaugura uma nova série de obras protagonizadas por um personagem excêntrico: o irascível e arrogante professor Challenger. Neste primeiro livro, ele alega ter descoberto, nos confins da Amazônia, um “mundo perdido”, uma região isolada que permaneceu por milhares de anos imune às transformações evolutivas da Terra. Mais que isso, tal lugar preservaria ainda os dinossauros do período jurássico. Naturalmente, essas afirmações são recebidas com escárnio e incredulidade por parte da comunidade científica a que Challenger expõe suas “descobertas”. Assim, para provar irrefutavelmente suas alegações, Challenger propõe uma nova expedição à América do Sul, missão na qual o acompanham o jornalista Edward Malone (que é o narrador em 1ª pessoa), o famoso aventureiro John Roxton e o cético Summerlee, o maior opositor das ideias de Challenger. Partindo de Londres, eles chegam ao Brasil (onde fica a “entrada” desse mundo de maravilhas inexploradas) e a partir de então se envolvem na maior – e mais perigosa – aventura de suas vidas.
Algo que chama bastante a atenção neste livro é a noção nebulosa dos ingleses (e, de modo geral, da Europa) sobre a América, particularmente a do Sul, em pleno século XX. É uma visão estereotipada e imprecisa sobre cultura e geografia, deslizes que só considero aceitáveis por se tratar de uma obra de ficção e porque essa perspectiva vaga sobre o “novo mundo” não era uma característica restrita de Conan Doyle e outros escritores da época. De qualquer forma, também não se pode exigir exatidão histórica numa obra em que estegossauros e pterodátilos vivem tranquilamente num planalto inacessível da Amazônia.
Embora não tenha alcançado o mesmo êxito das obras com o detetive do cachimbo, “O mundo perdido” fez bastante sucesso nas telas, tendo sido adaptado várias vezes, além de ter sido a inspiração para Michael Crichton escrever a sequência de “Jurassic Park” (que, inclusive, tem o mesmo título, “The lost world”).
Por falar em adaptações, eu não poderia deixar de falar da série de TV “The lost world”, produzida entre o final dos anos 90 e o início da década de 2000. Tenho um grande carinho por essa produção porque foi a primeira série que acompanhei regularmente (eu diria até “religiosamente”). Lá pelos anos 2000 não havia Netflix e nem essas comodidades atuais de internet com séries para ser assistidas a qualquer hora. Naquela época, as boas séries da TV aberta eram escassas e geralmente exibidas só nos fins de semana ou muito tarde da noite. Então, foi uma satisfação imensa para mim quando a Record começou a exibir esta série diariamente; amava demais, não perdia um episódio. E era o assunto na escola, na hora do recreio. Bons tempos aqueles! Aliás, agora eu posso dizer que gostei mais da série do que do livro; enquanto este se mantém na linha da ficção científica, o programa incluiu ainda elementos de fantasia, alegorias históricas e mitologia. Além disso, tem duas personagens femininas fortes que eu lamentei muito por não existirem no livro: Veronica (uma espécie de “Tarzana” civilizada) e Marguerite, a mulher de passado misterioso que financia a expedição.