Retipatia 05/11/2018
Esperava bem mais...
Lara Valente é sol, areia e ondas do mar. Tudo o que ela ama tem calor e vida nos seus dias quentes surfando no mar do Rio de Janeiro, cidade em que vive com sua mãe, Helena e sua irmã caçula, Ana. Como Lara, Helena é uma força da natureza, inconstante, mas também alguém capaz de superar o desaparecimento do marido com as filhas ainda pequenas e se virar para dar conta de tudo. Ana já é o oposto, é certeza, firmeza e ordem onde as outras duas são o caos.
A vida de Lara não promete grandes mudanças, até receber a notícia do falecimento do seu avô paterno, que lhe deixará uma grande herança caso ela aceite passar um ano de sua vida estudando na famosa, porém desconhecida, Escola Sotrom, na Inglaterra. Como a soma da herança é composta de muitos zeros, Lara aceita o desafio, mesmo sabendo que durante este tempo que passará na escola não poderá se comunicar com sua família.
Como verdadeiro sol que é, Lara faz questão de brilhar no seu primeiro dia de aula, falando na sala de aula, alterando o uniforme sem graça e provocando a atenção de todos. E, bem, é literalmente de todos, inclusive da Morte, que resolve coletar Lara para sua coleção.
O assassino da Morte faz seu trabalho e, após uma queda do penhasco, Lara se vê acordando seis meses depois numa versão diferente da Escola Sotrom. A Escola dos Mortos é viva, cheia dos melhores dos melhores, ricos, poderosos, disputando entre si quem merece mais holofotes. Apesar do estranhamento inicial, Lara sabe causar o impacto desejado e logo faz parte da nata da nata, passando a fazer parte da elite e, como todos os outros, admirando a família mais enigmática da escola: os Ivanovick.
O único detalhe é que Lara será, inesperadamente, correspondida pelo amor de LuKa Ivanovick e esse amor será o divisor de águas na escola e na morte de todos que a rodeiam.
A leitura desse livro me trouxe muitos sentimentos contraditórios, que nasceram e morreram ao longo do livro e se alteraram, diversas vezes. Comecei muito instigada pelo mistério da morte de Lara, que acontece bem rápido - bem mais do que eu esperava até - para então a história se desenrolar no além mundo, na Escola dos Mortos.
Até este ponto, me mantive bem presa à história e seu desenrolar, porque tudo tinha sabor de novidade e queria muito saber sobre o mistério que fazia com que alunos de uma escola fossem constantemente assassinados, mas a medida que avançava a história, comecei a ficar com raiva, porque não era esse o aspecto principal, os alunos todos estavam apenas numa infinita disputa de popularidade entre eles mesmos, vazios demais para se importar com qualquer coisa além de quem era mais bonito, desejado ou tinha as roupas mais legais.
Contudo, esse foi um ponto muito legal que a história abordou, porque, todos os alunos ali foram privados da vida que poderiam ter, do futuro, família, amigos, trabalho, carreira, qualquer coisa que desejassem fazer. Assim, a própria escola, sem grandes regras de comportamento, apenas serve como instrumento para mantê-los entretidos na sua infinita pós vida sem sentido. A própria personagem principal se perde nesse misto de superficialidade por um bom tempo e isso é bem construído na trama.
Depois dessa pequena descoberta sobre o papel que a escola exerce, e, nesse meio tempo, já tendo Lara e Luka iniciado um relacionamento um tanto quanto conturbado, esperava que o mistério principal, que instigou-me como leitora, fosse colocado à prova: não apenas o porquê da Morte continuar a arrecadar almas das famílias, mas também em ver uma única alma sequer não apenas indignada com isso, e disposta a tentar fazer qualquer coisa para impedir que as mortes continuem.
A história por sua vez segue o ritmo do desenvolvimento do relacionamento de Lara e Luka, num estilo bastante amor adolescente, mas com alguns pontos que são bastante problemáticos. O comportamento de Luka, por exemplo, que não é nem um pouco aceitável, agindo ora como um verdadeiro stalker e ora privando Lara de sua liberdade. São passos longos que são dados entre os dois, mas, mesmo com todo o mistério que se desenlaça depois, muito do comportamento dele não é aceitável e muito menos desejável. Todas as garotas da escola invejando Lara porque o cara mais mau-educado do pedaço resolve começar a segui-la pelos corredores...
Falando em comportamento, ainda temos o "problema Lara", que faz questão de se auto-descrever como garota decidida, forte, destemida e que perde boa parte dessas características perto de Luka, que, no mesmo tanto que a fascina e excita, a intimida. O que, convenhamos, não é nada desejável em um relacionamento, ainda que estejamos falando, tecnicamente, de adolescentes mortos, já que estes possuem todos os seus sentimentos de pessoas vivas e conscientes.
A parte do livro se voltar para o romance não tem, de fato, problema algum, é mais questão da expectativa que criei ao começar a leitura, imaginando que a fantasia se sobreporia ao romance. Muitas vezes um livro segue um rumo totalmente inesperado durante a leitura e nem por isso vejo algum problema. O detalhe principal é que a narrativa começou a demonstrar os traços que, a princípio, não eram marcantes, mas que, por sua demasiada repetição ao longo do livro, deixaram a história maçante e cansativa. Alguns sentimentos, emoções e atos que são reafirmados com frequência, reescritos quase que com as mesmas palavras, pecam pelo exagero, parágrafos seguidos descrevendo a mesma ação ou sentimento, como se um não bastasse para explicar, quando, na verdade, a mensagem já foi entregue ao leitor de maneira mais que satisfatória. Às vezes um texto mais limpo passa a mesma mensagem ao leitor e tem um efeito muito mais prazeroso para leitura.
Além disso, algumas explicações e repetições são de fato desnecessárias e, além de empobrecer o texto, acabaram por marcar de maneira muito negativa às descrições feitas. Alguns personagens são descritos quando primeiro aparecem em cena, quando introduzidos na história, como de costume, mas apenas alguns têm suas características marcantes sobressaltadas todas as vezes que são citados. Essa parte me incomodou muito, porque, não ocorre com todos os personagens e a necessidade se faz aparente de maneira muito seletiva entre eles.
Temos ainda alguns problemas descritivos do próprio mundo criado (nada muito fora dos padrão já conhecido entre relacionamentos de humanos e não humanos, como temos na saga Crepúsculo e em outras), com algumas bochechas corando quando não deviam, e algumas explicações vindo depois que os fatos já passaram e apenas explicados quando estão se repetindo (e depois, claro, são explicados novamente...). São alguns detalhes que não passam despercebidos por leitores mais detalhistas e que uma leitura crítica do texto pode indicar tais pontos, alguns mais facilmente sanáveis que outros.
A história também conta com vários mistérios que vão sendo jogadas migalhas ao leitor ao longo do texto, mais sobre o mistério que circunda a família Ivanovick, a morte de Lara e o desaparecimento de seu pai, pontos bem interessantes da história e que trazem elementos bem legais de suspense, despertando a curiosidade do leitor ao longo do seu surgimento e preparando o terreno para as revelações do fim da trama. Infelizmente, esses pontos positivos não conseguiram salvar o texto e, de modo geral, a impressão que ficou foi de uma história que é uma miscelânea de outras que já existem e que faltou explorar de maneira original o elemento principal a que se propunha: a escola dos mortos.
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