Flávia Menezes 17/01/2023
???? ?SE TUDO O QUE EU MAIS QUERO É TER VOCÊ PRA MIM?
?O Filho de Mil Homens?, publicado em 2011, foi o meu primeiro contato com a escrita de Valter Hugo Mãe, autor português, que também é editor, artista plástico, apresentador de televisão e cantor Valter Hugo Mãe.
Primeira experiência, e já acontece tão cheia de projeções, identificações... Eu não nego, mas chegou a ser doloroso ler um começo de história em que eu me via em cada uma daquelas palavras tão cruelmente reais, intensas, tão nua e crua, enfeitadas por uma poesia delicada, que vai contando sobre esses sentimentos que não temos coragem de confessar nem a nós mesmos. Como aquela sujeirinha que escondemos debaixo do tapete. Ninguém mais pode ver, mas nós sabemos bem que ela está lá.
Mas mesmo com a rudeza da verdade declarada sem freios, de frases tão repletas de significados que falaram diretamente com a minha alma, eu confesso que era muito difícil largar esse livro. Até porque eu precisava saber o que aconteceria com aqueles personagens. Era como se por trás de todo aquele sofrimento, uma chama de esperança me fizesse acreditar que poderia haver um final feliz para eles (e para mim!), e era isso que ia me impulsionando a ler cada vez mais.
A escrita do Valter me lembrou um pouco a metodologia de William Faulkner. Primeiro porque assim como o grande escritor dos clássicos americanos, Valter traz personagens simples, com vidas muito duras, cujas histórias vão se unindo pelo sofrimento comum a todos eles, até que esses enlaces estejam tão fortes, tão concretos e permanentes, que podemos ver a figura final que é formada, compreendendo claramente o motivo pelo qual um precisava tanto entrar na vida do outro.
Segundo, porque ele também tem essa escrita que não respeita a cronologia, e é tão poética, em um ritmo próprio, que até soa musicalizado, usando formas de dizer que muitas vezes nos confunde, e nos faz até pensar: ?o que ele quis dizer com isso?? Mas penso que a beleza está até mesmo no que ele esconde, e nem tudo eu preciso entender perfeitamente. Ou talvez, eu até não tenha compreendido por que eu não conheço a linguagem coloquial utilizada, e o seu significado me passou despercebido.
Mas isso é o de menos, porque a história principal, o que teve seu início no primeiro capítulo, e foi caminhando naquela chamazinha de esperança da qual eu falei anteriormente, até chegar no seu final, acabou por realmente aquecer cada parte do meu coração, me dizendo que ?quem tanto pede o que lhe pertence assim ao mundo convence?.
Crisóstomo é um personagem que teve todo o meu coração, e eu senti uma profunda empatia com cada coisa dita sobre ele. Cada sentimento. Cada frustração. Cada medo. Cada anseio. Cada chamazinha de esperança que ele teimosamente insistia em alimentar. Mas ao mesmo tempo, eu também me sentia tão Isaura, especialmente quando falava da transformação física pela qual ela passava, e do que essa consciência do corpo trazia como simbologia.
Que personagens incríveis, que vão com tanta coragem e obediência se rendendo ao script do escritor, encenando cenas tão duras, tão complexas, mas que nos fazem ver a beleza de uma história que tem tanto a nos ensinar. E muito embora eu tenha achado que em alguns momentos essa fala poética enfeitada demais acabou se perdendo, se desconectando, sem fazer sentido algum, eu nem sequer me importo com isso, porque a mensagem final, para mim, é o que todos nós deveríamos ter muito bem guardadinha no nosso coração.
Essa é uma história que fala de fracassos, que fala de solidão, que fala de desejos irrealizados, mas que também fala de empenho, de entrega, de coragem, de bondade, de amor, do que é realmente ser família, mas que mais grandioso do que isso, também nos fala sobre disposição.
Existe uma frase de um seriado (One Tree Hill) que eu gosto muito, que diz: ?Se você ficar procurando razões para não ficar com alguém, você sempre vai encontrá-las. Às vezes é preciso deixar as coisas fluírem por um momento e dar ao seu coração o que ele merece?. Isso é estar mais do que disponível para amar, mas estar disposto!
E quando estamos dispostos, isso quer dizer que teremos em mente que podem surgir as adversidades, os medos, as inseguranças, porque estaremos ali não por aquilo que pode dar errado, mas para fazer dar certo. E isso dá certo, sabe por quê? Porque assim como o Crisóstomo, não olharemos para o outro buscando nossos ideais, mas daremos a chance de conhecer o seu real, e nos abrirmos a admirar quem vamos encontrar por ali.
Quem nunca levou consigo aquela listinhas de qualidades que buscamos na pessoa ideal para passar o tempo todo vendo quantas delas a pessoa apresentará, perdendo toda a possibilidade de ver quem está à nossa frente, e ver que assim como nós, ela também tem defeitos, mas isso não é só isso que a define. Para ser bem sincera, a coisa mais bonita que eu já ouvi daquele que conquistou meu coração, foi que ele aceitava meus defeitos. Porque admirar o que temos de bom até quem não gosta de nós consegue ver. Mas não desistir quando vê o que temos de mais difícil? Ah, isso é só para quem ama! Eu confesso que eu amo um defeitinho, porque deixa o outro tão real. E é o que o faz tão único!
Esse é um livro que fala muito sobre sentimentos, e são esses tipos de reflexões que essa história nos proporciona, porque as formas de amor nesse livro surgem de forma simples e com muita disposição de corações que se abrem para perceber o outro como ele é, a ponto de fazer aflorar o seu lado mais bonito. É o olhar do outro que nos torna mais bonitos, porque é sua crença em nós que nos faz florescer.
Valte Hugo Mãe não entrará para a minha lista dos meus autores prediletos, mas certamente eu ainda lerei muito mais de suas obras, porque os aprendizados que esse livro me trouxe, me reviraram por dentro de uma forma, que me transformou um pouquinho mais.
E para fechar essa resenha de um livro que não foi uma leitura apenas, mas uma transformação, ou vou atrás do grande Tennessee Williams para emprestar uma de suas frases que descrevem bem a mensagem final desse livro, quando ele diz que: ?Quando tantos são solitários e parecem ser solitários, é indesculpavelmente egoísta ser solitário sozinho?.
Até porque havendo disposição, certamente haverá muito mais capacidade e oportunidade de amar!