Patricia Pietro 28/04/2023Ao contrário de praticamente todos os meus outros livros favoritos, este só me conquistou depois de muitas páginas de leitura. No começo, não estava entendendo nada. E o fato de já ter lido uma novela de Guimarães Rosa (A hora e vez de Augusto Matraga) não me preparou o suficiente, pois a linguagem aqui é bem mais difícil de compreender. Mas foi justamente essa linguagem, e a beleza de tantas colocações de Riobaldo, que me fizeram continuar.
Na forma de um longo monólogo, o ex-jagunço conta a sua estória de vida a um estranho, um homem letrado, que o escuta. Em sua aventura épica pelo sertão, há diversos episódios marcantes. Dentre os que mais gostei, destaco a travessia do de-Janeiro, o caso de Maria Mutema, o julgamento de Zé Bebelo (um dos melhores personagens do livro!), a ida de Riobaldo às Veredas Mortas e o que se seguiu à sua volta, e, por fim, o confronto final com o bando do Hermógenes.
No meio de tudo isso, Riobaldo, passando longe de ser um jagunço comum, reflete profundamente sobre questões subjetivas que seus companheiros de bando pouco consideram, tais como a vida e a morte, Deus e o diabo, o amor e o ódio, e a amizade. Suas reflexões rendem passagens belíssimas. É poesia em forma de prosa.
Do início à metade, o enredo é como um quebra-cabeça. Riobaldo vai entregando as peças aos poucos e de forma aleatória, tanto que muitas vezes é difícil relacionar umas às outras. Depois da metade é que a narrativa passa a seguir a ordem cronológica dos fatos. E somente ao final enxergamos o quadro completo, com todas as peças no seu devido lugar.
Nisso reside parte de sua genialidade. Para apreender o significado da obra por inteiro é necessário ler mais de uma vez. Muita coisa passa batida na primeira leitura, o que é proposital, pois Guimarães Rosa afirmou: "Meus livros não são feitos para cavalos, que vivem comendo a vida toda. São livros para bois. Primeiro o boi engole, depois regurgita para mastigar devagar e só engole de vez quando tudo está bem ruminado".
O toque final fica por conta do desfecho, que é absolutamente imprevisível. O próprio autor recomendou a quem leu que não revelasse o enredo a quem não leu ainda. E o pedido tem toda razão de ser. O prazer de descobrir sozinho é inigualável.