Ana Alice 15/06/2023
"E subitamente, de uma só vez, o véu se rasga: compreendi, vi."
Confesso que demorei a ler "A Náusea". Comecei no ano passado, li um pouco no início desse ano, mas só engatei na leitura nos últimos dias. Não sei se teria tirado mais proveito se o tivesse lido na época em que eu tinha câimbras quase diárias, mas, de qualquer forma, fico feliz por ter conseguido terminar essa leitura.
Acredito que essa seja uma das resenhas mais difíceis que escrevi, porque tive que medir cautelosamente o grau de autoexposição que eu empregaria ao criticar esse livro. Vou começar dizendo que ler a respeito de uma experiência tão singular e dolorosa quanto é a da Náusea, ou no meu caso, como eu prefiro chamar, a "câimbra", na pele de outro provoca um misto de conforto e enjoo. É sempre bom saber que não estamos sozinhos, independentemente das circunstâncias pelas quais estamos passando, mas, ao mesmo tempo, é quase visceral reviver sensações indesejadas pelo ponto de vista alheio. Roquentin é humano. Depois, vou falar sobre as suas particularidades, mas, por enquanto, só posso dizer que os seus dramas são inerentemente humanos. A consciência da existência e do absurdo que envolve a vida é, por si só, angustiante, e Sartre conseguiu passar, de forma exímia, isso para o leitor, ainda que este nunca tenha sentido na pele o que é se sentir cansado e completamente desorientado apenas pela simples descoberta de existir. As descrições dos momentos de Náusea do Roquentin são, sem dúvidas, o ponto mais alto do livro.
Dito isso, gostaria de me ater mais alguns detalhes a respeito da construção da personagem de Antoine Roquentin. Sartre fez uma excelente escolha do seu protagonista: Roquentin é um homem burguês entediado, como ele próprio admite em: "E esse tédio é tão vago, tão metafísico que me sinto envergonhado."; um historiador e, acima de tudo, um homem solitário e frustrado. Dentre essas características, a que mais me chamou atenção foi a sua profissão. Qual escolha melhor para representar um homem horrorizado com a vida do que um historiador, que, ao contar a história dos outros como um narrador observador, vive deslocado da sua própria existência?
Sobre as outras personagens, a que mais me chamou atenção e que conseguiu atrair um pouco da minha identificação foi a Anny. Mais do que entender, consegui sentir a sua necessidade de se apegar a um fator fixo, a aparente imutabilidade de Roquentin, como um meio de sobreviver. Como ela mesmo diz, sobrevivemos a nós mesmos. Precisamos disso.
Há muito sobre o que eu poderia escrever a respeito desse livro. Ainda que eu tenha achado interessantíssima a relação do protagonista com a sensação de aventura, com a sua dificuldade com o pertencimento e com o passado, não me sinto capaz de me aprofundar nesses pontos, pelo menos não por meio de palavras escritas.
Por fim, "A Náusea" não foi uma leitura fácil. Apesar de sua linguagem não ser técnica como "O mito de Sísifo", esse livro não apresenta um enredo tão bem definido e dinâmico quanto "O estrangeiro", por exemplo. A leitura não foi fluida e eu admito não ter compreendido absolutamente alguns trechos, em especial os que Roquentin abusa da abstração para expressar seus sentimentos. Ainda assim, as sensações e o sentimento de identificação que ele me provocou me fazem afirmar que Sartre fez um trabalho impecável ao retratar a realidade humana em uma figura tão singular quanto um francês de trinta anos do século passado, perfil que difere de tantos dos leitores e, ainda assim, consegue representá-los. É uma leitura certamente recomendável aos que se interessam por Filosofia ou para aqueles que já experimentaram as suas náuseas pessoais.