Ficções

Ficções Jorge Luis Borges




Resenhas - Ficções


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Guilherme Amin 27/04/2024

Uma leitura do primeiro conto: ?Tlön, Uqbar, Orbis Tertius?
Segundo Borges, este conto é uma nota sobre livros imaginários: ?The Anglo-American Cyclopaedia? e ?A First Encyclopaedia of Tlön. Vol. XI. Haer to Jangr?.

A meu ver, a escolha de enciclopédias para constituírem os livros fantasiosos revela a pura paixão de Borges pelo conhecimento enciclopédico, algo que ele próprio buscava ter.

Um dos ?personagens? é o escritor também argentino Adolfo Bioy Casares, de quem Borges foi amigo inseparável na vida pessoal e profissional, tendo sido até padrinho de casamento dele com a escritora Silvina Ocampo.

A passagem adiante é uma pista que Borges nos dá para informar que uma das coisas que mais importam nestes escritos, neste livro, é a forma, o estilo como ele o escreveu. Isso serve de conforto para o leitor não esmorecer diante da aridez do conteúdo dos textos (p. 14):

?No dia seguinte, Bioy me ligou de Buenos Aires. Disse-me que tinha à vista o artigo sobre Uqbar, no volume XXVI da Enciclopédia. Não constava o nome do heresiarca, mas, sim, a referência a sua doutrina, formulada em palavras quase idênticas às que repetira, embora ? talvez ? literariamente inferiores.?

Ainda assim, Borges pressupõe ou ao menos não subestima a inteligência de seu leitor (p. 15): ?Essas quatro páginas adicionais compreendiam o artigo sobre Uqbar; não previsto (como terá notado o leitor) pela indicação alfabética.?

E aparentemente do nada, na página 18, Borges não resiste a inserir um dado sobre o islamismo e o mundo árabe em geral, pelos quais ele se interessava muitíssimo ? o que se constata claramente na coletânea ?O Aleph? (1949), por exemplo.

Em ?Tlön, Uqbar, Orbis Tertius?, Borges cria um mistério em torno de dois livros enigmáticos para construir uma espécie de aventura de intelectuais que saem em busca da possível verdade sobre: 1) uma estranha enciclopédia (?The Anglo-American Cyclopaedia?) que contém verbetes sobre um falso país chamado Uqbar; 2) uma segunda enciclopédia inaudita (?A First Encyclopaedia of Tlön. Vol. XI. Haer to Jangr?) que trata inteiramente de um planeta imaginário, de nome Tlön.

Inicialmente, Tlön aparece na primeira enciclopédia como mera região que já era imaginária e citada nos livros daquele país ignorado (Uqbar) ? páginas 15/16 do conto.

Depois, Tlön aparece como um planeta imaginário na segunda enciclopédia: ?A First Encyclopaedia of Tlön. Vol. XI. Haer to Jangr?, na qual Borges encontra o ?vasto fragmento metódico? de um planeta imaginário: Tlön, agora não mais uma região fictícia de Uqbar. A partir disso, examina a linguagem e especula as possibilidades da linguagem nas nações desse planeta, inclusive em relação a como os idiomas de lá constroem as próprias realidades locais, de um ponto de vista metafísico ? como no filme ?A Chegada? (2016), por exemplo. Desenvolve então uma complicada narrativa filosófica, associada à lógica, à matemática e à arqueologia, de difícil compreensão, que por enquanto não suscita meu interesse (páginas 22 a 28).

É em algum momento não descrito no conto que Tlön ascende da condição de ?região? mítica do país Uqbar para se tornar, Tlön próprio, um país. No pós-escrito de 1947, Borges explica que a posterior conversão de Tlön, de país em planeta, deu-se pela proposta do milionário Ezra Buckley, um megalomaníaco como muitos estadunidenses. A sociedade secreta e multigeracional que inventara Uqbar e Tlön então empreende o projeto sugerido por Buckley e designa essa revisão das falsas enciclopédias pela expressão ?Orbis Tertius? (latim para ?terceiro mundo?).

Como se trata de um conto fantástico, Borges decide acrescentar relatos de duas intrusões do mundo fantástico no mundo real (páginas 30/31), justamente num ponto em que a narrativa, pela extensão e pelo teor, estava começando a parecer realista.

Na sequência, a ?Primeira Enciclopédia de Tlön? é descrita por Borges como ?Obra Maior dos Homens?, talvez em contraponto à Bíblia, que seria a obra maior de Deus. Aparentemente, há nisso alguma referência ao pedido do milionário financiador de ?Orbis Tertius?: ??A obra não pactuará com o impostor Jesus Cristo?. Buckley descrê de Deus, mas quer demonstrar ao Deus inexistente que os homens mortais são capazes de conceber um mundo? (página 29). Em todo o caso, ambos são textos escritos, e o que Borges quer dizer é que o poder da linguagem é capaz de alterar o mundo em que vivemos.

Ao fim, Borges conclui que, desde que haja uma aparência de ordem, tanto as piores ideologias (antissemitismo e nazismo, sem prejuízo de outras) quanto a irrealidade e a estupidez (a exemplo da disseminação de pseudo-conhecimentos sobre mundos inventados, que é o caso do planeta Tlön) podem inflamar a humanidade e, afinal, emburrecê-la. E o fazem por meio das diversas manifestações da linguagem. De fato, é mais fácil obedecer pacífica e acriticamente a leis e hábitos irracionais, quando hegemônicos, do que questioná-los. A alegoria de Tlön é a da domesticação das sociedades por meio da prevalência do senso comum, introduzida pela linguagem dos agentes dominantes (?o contato e o hábito de Tlön desintegraram este mundo? ? página 32). Por isso, quando submetida à autoridade de instituições que aparentam ser bem ordenadas, ?a humanidade esquece e torna a esquecer que é um rigor de enxadristas, não de anjos? (página 32) ? de poderosos e estrategistas, portanto, e não de forças sobrenaturais ou entidades espirituais. Tanto é assim que o megalomaníaco Ezra Buckley queria, com as enciclopédias, ?demonstrar ao Deus inexistente que os homens mortais são capazes de conceber um mundo? ? por meio da linguagem.

Na interpretação que faço do conto, a realidade, então, é ordenada pelos que detêm o poder, seja nas sociedades capitalistas, seja nas ditaduras de esquerda: eles é que determinam não só o presente, como as memórias do nosso passado ? basta ver as correntes revisionistas da história que ainda hoje grassam. Quando a estupidez generalizada enfim dominar a sociedade, ?aí desaparecerão do planeta o inglês, o francês e o mero espanhol. O mundo será Tlön? (página 33).

Mas será que podemos fazer algo para impedir isso? Que poder temos contra as nações hegemônicas, contra os monopólios empresariais, contra os Putin, Maduro, até os Elon Musk deste planeta? Ciente de sua impotência, de que morrerá sem conseguir parar essa escalada, Borges resolve sossegar a mente, finalizando o conto: ?nada disso me importa; continuo revendo, na quietude dos dias do hotel de Adrogué, uma indecisa tradução quevediana (que não penso publicar) do ?Urn Burial? de Browne?. ?Urn burial? pode ser traduzido, justamente, como ?urna mortuária?. De todo modo, essa acomodação, que Borges não consegue deixar de encarar (no espelho, metaforicamente), o assombra: ?os espelhos têm algo de monstruoso? (página 15).
Kassio Coimbra 27/04/2024minha estante
Estou encantado com seu texto. Não sei se conseguiria ler esta obra diante da complexidade, mas fiquei instigado a tentar! ???????


Guilherme Amin 28/04/2024minha estante
Obrigado, amigo! ??


Vania.Cristina 28/04/2024minha estante
Eu já estava querendo ler Borges, agora então...


Guilherme Amin 28/04/2024minha estante
Que bom, Vania!




Luana.Iannone 12/04/2024

Não sou mais a mesma
Não é exagero falar que esse livro me mudou. impressionante como é bem escrito, as infinitas referências do autor, os temas inesgotáveis que ele aborda. a criatividade ao tratar de temas já tratados sei lá, milhares de vezes na história da literatura. no começo senti dificuldade de entrar no modo borges, achei um pouco difícil a escrita, mas depois que eu engatei o livro foi incrível até o final.
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Paula.Brener 11/04/2024

Ficções de Borges
A obra possui escrita erudita, tornando a leitura difícil e cansativa. Mas vale o esforço. Alguns contos trazem reflexões impressionantes e marcantes. Destaco como os que me marcaram em especial: A Loteria de Babilônia; Funes, o memorioso; O Sul; Pierre Menard o autor do Quixote; e Tlön, Uqbar tertius.
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Marianacmraa 26/03/2024

Maravilhoso!
Não costumo ler contos, mas estes são perfeitos. De certa forma, me sinto um pouco simplista em dizer apenas que gostei e que são contos muito bons e que vocês deveriam ler, mas é isso mesmo.

É meu primeiro contato com Borges e estava muito ansiosa, e um pouco preocupada se iria entender ou não, mas foi muito tranquilo. Com certeza não entendi todas as referências e camadas do texto, mas nada que boas releituras e estudo não resolvam.

Recomendo muito! É um ótimo livro!
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gabrieus 20/03/2024

Assombrado
Lá pelo quinto conto, este já tinha se tornado um dos livros favoritos da minha vida. Daí em diante eu só fiquei mais apaixonado. Li e reli alguns contos várias vezes, de tanto assombro com a criatividade e genialidade desses contos! Pense numas histórias loucas!!!

Minha vontade é de obrigar todo mundo a ler esse livro, mas ok. Muita gente tem medo de ler ele porque acha que é difícil. O meu conselho é que tentem. Os contos são curiosíssimos e, pra mim, não há livro difícil quando você tá curioso o bastante pra procurar entender.

Lista dos contos favoritos

1. A biblioteca de Babel
2. As ruínas circulares
3. Tlön, uqbar, orbis tertius
4. Três versôes de Judas
5. O milagre secreto
6. O sul
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Antonio338 09/03/2024

Meu primeiro contato com o Borges foi mais ou menos há 4 anos, com As ruínas circulares. Na época, eu não entendi absolutamente nada, mas o texto me fascinou de um jeito bizarro.

Anos depois pego o Ficções pra ler. Não são todos os contos que dialogam comigo, ou que eu tenha tido um prazer ao ler; mas a construção, a complexidade, a profundidade desses contos é de um deslumbre tão grande, que eu me sinto obrigado (de um jeito bom) a reconhecer cada um deles na sua perfeição, no seu próprio universo de significados. Ficções é um livro que eu vou reler pelo resto da minha vida, e ele permanecerá intocado, infinito. Que livro.
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Brenda 23/02/2024

As ruínas circulares e o inferno da repetição. O assombro na realidade e no homem.
Menos de 200 páginas, e que me custou 2 meses de leitura. A densidade é tamanha, que atravessar esse livro é uma aventura de fôlego. Borges não facilita, ele resenha narrativas complexas, entregando-as no mínimo de linhas, e é desse pouco imenso que extraímos alguma coisa (e confesso que só cheguei na superfície). Mente de titânio kakaka ele entrega tudo! Esses contos que desafiam a realidade, o tempo, destino... Preciso fazer releituras e mais releituras...
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Eduardo.Silva 18/02/2024

A beleza (e o assombro) da imaginação humana
É curioso pensar que um livro com uma imaginação tão rica estava sendo escrito concomitante com um dos períodos mais sombrios da história humana recente. É tão belo a capacidade de "viajar na maionese" do Borges e criar breves enredos cheio de fatos inventados enciclopédicos e ideias criativas. Antes de ler, tinha ouvido falar que Gabriel Garcia Marquez se inspirou no Borges para escrever seu realismo mágico e, meu deus, é muito verdade. É uma fonte claríssima, principalmente na questão do misticismo, dos lugares exóticos e da imaginação fértil de Cem Anos de Solidão. Como um artista, é muito bom ver o processo de inspiração e uso disso pra criação autoral de outros artistas. Você entende com a alma que faz parte seu trabalho ser construído sob os ombros dos seus ídolos. Incrível, quero ler mais do Borges.
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Laysa 30/01/2024

Borges não é pra todo mundo
A minha nota 3.5 é baseada no que consegui compreender do livro kkkkkk Borges escreve muito bem. Seus textos são ricos em simbolismos e significados profundos, muitos dos quais eu não consegui compreender. Isso me faz entender que ainda não estou no nível de leitura que é esperado daqueles que absorvem completamente as mensagens de Borges. É um livro difícil, cheio de referências. No futuro quero relê-lo pra uma melhor experiência.
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Pedro1851 20/01/2024

Finalmente, consegui terminar meu primeiro Borges
Abandonei esse livro várias vezes pois eu não conseguia compreender a escrita de Borges. Hoje em dia eu sou fascinado pelos mundos que ele evoca com as palavras. Ou, melhor, com o mundo real com infiltrações do fantástico. Os textos com tom realístico e quase enciclopédico são pano de fundo para uma realidade insólita e fantasiosa. Alguns textos falam da própria obra do Borges, de coisas que ele mesmo inventou e decidiu comentar como se elas já fizessem parte da realidade. Maioria deles é assombroso: tratam do infinito, do tempo, da repetição, dos labirintos, dos espelhos. Como ele mesmo diz em Tlön, Uqbar e Orbis Tertius, há algo de assustador nos espelhos. Acredito que esse livro não se esgota, ele é imenso, apesar de ser breve. Como um buraco negro: a presença dele deforma o espaço em função de sua enorme densidade. Assim acredito que sejam os contos de Borges: densos na medida certa, intensos. A mesma coisa que Julio Cortázar almeja em Alguns aspectos do conto. As melhores lições de literatura se aprendem lendo.

Com estes contos aprendi o valor da releitura, bem como também questionar o que estou lendo, prestar mais atenção, investigar... Herbert Quain, autor criado e também resenhado pelo Borges, dizia que os leitores são uma raça em extinção. Disso eu gostaria de tirar forças para ler melhor, e não mais e muito. Meus contos prediletos:

tlön, uqbar, orbis tertius;
as ruínas circulares;
a loteria da babilônia;
exame da obra de herbert quain;
a biblioteca de babel;
o jardim de veredas que se bifurcam;
funes, o memorioso;
tema do traidor e do herói;
o milagre secreto.
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Corquiola 28/12/2023

Impressionante
Me deu trabalho pra ler? Sim! Mas a descoberta de que uma pessoa, consiga fazer o que Borges faz nos seus textos, já vale a leitura.
Ele simplesmente faz e desfaz dos leitores, nos leva a acreditar em livros e autores que não existem e ter dúvidas dos que existem; qualquer um pode ser personagem de seu conto, inclusive ele; como se não bastasse criar livros que não existem, suas resenhas fazem com que nós queiramos que existam!
Enfim, fui ludibriada, fiquei perdida e até exausta, mas para um autor fazer tudo isso com um leitor, seu livro não pode ser menos que ficções.
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Eder 17/12/2023

Primeira leitura: BuchClub
Livro de dezembro de 2023, escolha do Clube do livro. Não conhecia esse autor antes, conheci graças ao clube.
Em Ficções (1944) encontramos vários contos, os quais eu gostei muito mesmo, porém acredito que devo reler um dia para absorver melhor tudo que é escrito aqui. Tive a sensação de que é muita informação passada em poucas páginas, tanto que os contos são bem curtinhos. Achei também que os assuntos dos contos merecem uma grande atenção ao ler-os, pois são BEM complexos. O autor facilmente faz um nó na cabeça do leitor (e isso não é ruim, de forma alguma).
Gostei de conhecer o escritor, e percebi que ele foi um grande estudioso e leitor do século passado. O cara colecionava enciclopédias. Vi falarem também que talvez seja "o maior leitor do século XX". Fascinante.
Os meus contos preferidos nesta primeira leitura (pois sei que algum dia terei que ler de novo!)
Tlon, Uqbar Orbis Tertuius; Pirrre Menard, autor do Quixote; As ruínas circulares; Funes, o memorioso; Três Versões de Judas( creio que meu favorito, junto com o Funes); O fim; e O sul.
Vale comentar que esse é o primeiro livro de um autor Argentino que leio.
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Linhares 23/11/2023

Incrível
Jorge Luis Borges é simplesmente fantástico!

No livro "Ficções" o autor traz contos que flertam com o fantástico e metafísico, contos que vão explodir a sua cabeça.

Mas Borges não é um autor de fácil leitura, Ficções é um livro que demanda certa experiência e bagagem cultural do leitor. O que torna o livro difícil não é algum tipo de linguagem rebuscada, mas sim a quebra da estrutura narrativa tradicional e o grande número de referências que esse autor traz, tornando sua escrita bem carregada.

Há tempos não tinha uma ressaca literária como a que esse livro me deixou. Alguns contos vou levar comigo pelo resto da vida.
Já quero ler mais obras desse autor.
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Diego Rodrigues 07/11/2023

"Suspeito que a espécie humana - a única - está em vias de extinção e que a Biblioteca perdurará: iluminada, solitária, infinita, perfeitamente imóvel, armada de volumes preciosos, inútil, incorruptível, secreta."
Publicada originalmente em 1944, "Ficções" é uma coletânea de contos do escritor argentino Jorge Luis Borges. O volume, dividido em duas partes, reúne narrativas dos cadernos "O jardim de veredas que se bifurcam" (1941) e "Artifícios" (1944). São histórias que trafegam entre o fantástico e o real e que, mesmo tão distintas, compartilham um quê de estranhamento. Para tecê-las, Borges lança mão de livros fictícios, falsas biografias, paradoxos temporais, o mundo dos sonhos, guerras, espionagem, assassinato, sociedades secretas, temas bíblicos e a morte. Mas a variedade não se resume à temática, o autor também é muito inventivo no narrar da história - em alguns casos, fazendo o uso de textos acadêmicos para defender autores e obras que sequer existiram. O título "Ficções" faz todo o sentido aqui, pois é um livro que realça o poder que a mesma tem de impactar a realidade.

Alguns dos meus contos favoritos foram: "As ruínas circulares", que fala de um sonhador tomado pela obsessão de sonhar um homem e trazê-lo ao mundo real, mas durante o processo acaba por descobrir a insignificância da própria existência. "A loteria da Babilônia" nos apresenta um sistema de loteria diferente, onde a Companhia, como é chamada, não só sorteia prêmios em dinheiro como também prisões, castigos e até mortes. Essa foi a solução que a organização secreta encontrou para que o povo não perdesse o interesse em jogar. O problema é que o tempo passa e ninguém mais sabe o que é ou não obra da Companhia, nem mesmo se sabe se ela algum dia realmente existiu, mas todos continuam jogando e a loteria se torna então uma espécie de caos necessário, talvez uma analogia às vicissitudes da vida e a falta de sentido da mesma.

Em "A biblioteca de Babel", adentramos uma biblioteca de proporções imensuráveis que supostamente retém todo o conhecimento humano, bem como as possiblidades de realidade. Porém, seus livros parecem estar numa linguagem desconhecida e ninguém consegue decifrá-los. Pessoas formam grupos para investigar, outras para destruir. Há ainda aquelas que enlouquecem, brigam ou se suicidam. O conto reforça a ideia de que quanto mais possibilidades temos diante de nós, menos certeza temos sobre qualquer coisa, inclusive sobre nós mesmos.

"Funes o memorioso", o meu favorito, narra a história de um jovem que sofre um acidente e desenvolve uma espécie de memória sobre-humana. Ele não apenas consegue acessar memórias de toda a sua vida pregressa, como aprende novas línguas e desenvolve fórmulas matemáticas. Porém, não há vida em seu raciocínio. Ele apenas cataloga tudo o que vê, sem participar da vida ao redor. É um conto que fala sobre a importância de se esquecer. Precisamos pagar um preço pela nossa humanidade e aceitar que somos falhos, não absorver toda informação é um processo natural e o fato de conservarmos melhor as memórias que estão ligadas a traços afetivos é um lembrete constante disso. Do contrário, não passaríamos de robôs.

Fora esses, o livro possui muitos outros contos interessantes que propõem profunda reflexão e debate acalorado. Os fãs mais assíduos de Borges dizem que lê-lo é uma experiência única - experiência esta que eu nunca havia tido até então e que agora posso corroborar. Geralmente, livros de contos possuem muitos altos e baixos, mas aqui a coisa é realmente nivelada por cima. Suas narrativas ficam ecoando em nós e, dias, semanas ou até meses depois, ainda nos pegamos pensando nelas e até mesmo chegando a novas conclusões. Confesso, é um pouco desafiador também. Borges não é o tipo de autor que entrega as coisas de mão beijada, suas narrativas exigem algo do leitor, mas isso só torna a experiência de leitura ainda mais rica, recompensadora e única. "Ficções" é o tipo de livro que presenteia aqueles que gostam de se debruçar sobre o que foi lido e não apenas guardar o volume de volta na estante e partir para o próximo.

site: https://discolivro.blogspot.com/
@quixotandocomadani 07/11/2023minha estante
Acho que os contos de Borges parecem com os de Clarice e com os de Machado. Não entregam as coisas de mão beijada para o leitor.

Mto bom o conto de Babel! Ainda mais hoje que temos tantas possibilidades ao alcance de nossas mãos sobre tudo. Adorei os outros temas tbm. Acho que vou gostar mais de ler as suas resenhas do que os contos em si. Kkkk


Diego Rodrigues 07/11/2023minha estante
Venho acompanhando seus históricos da Clarice e acho que a comparação faz sentido. São contos que às vezes deixam a gente meio "no ar", mas depois de pensar conseguimos chegar a algum lugar (ou não).

Leitura assim não é pra todo momento, e talvez nem seja pra todo mundo, mas quando pega a gente de jeito é maravilhoso!




Master 05/11/2023

Borges é um caminho sem volta
O mundo de Jorge Luis Borges é um labirinto infinito de palavras e ideias, e a sua obra-prima, ?Ficções', é um convite para explorá-lo. Ler Borges é um caminho sem volta, uma jornada literária que desafia as fronteiras da realidade e da ficção, deixando o leitor inebriado pela genialidade do autor argentino.
Desde o título do livro, somos confrontados com a necessidade de interpretação. 'Ficções' não é apenas um conjunto de contos; é um convite para questionar a própria natureza da ficção, da realidade e da linguagem. Borges nos leva por uma viagem através de mundos imaginários, de labirintos mentais, onde o que é real se mescla com o que é inventado, e o leitor se vê imerso em um constante jogo de espelhos.
Cada página de 'Ficções' é um desafio intelectual, um convite para mergulhar nas complexidades do pensamento humano. Os contos de Borges são como quebra-cabeças literários, onde cada palavra, cada frase, tem uma precisão milimétrica, como se fossem encaixadas peça por peça em uma estrutura cuidadosamente planejada. Cada leitura revela novas camadas de significado, e a profundidade da obra de Borges é inesgotável.
Ler 'Ficções' é como se perder em um labirinto de ideias. Os temas propostos por Borges são vastos e multifacetados, abrangendo desde questões metafísicas até considerações sobre a natureza da realidade e da identidade. Cada conto é uma experiência única, uma viagem filosófica que nos faz repensar nossas próprias crenças e concepções de mundo.
A construção concisa dos contos de Borges é notável. Cada palavra é cuidadosamente escolhida, e a economia de linguagem do autor é admirável. A brevidade dos contos contrasta com a profundidade das ideias exploradas, tornando 'Ficções' uma obra verdadeiramente excepcional.
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