Clara 08/12/2015
Game of Maidens
"(...)A jornada que me levou a ler a série toda de uma vez teve um início inusitado: o Enem. Sim, o Enem. O primeiro dia do conhecido (e temido) Exame Nacional do Ensino Médio consiste em Ciências Humanas e suas tecnologias, bem como em Ciências da Natureza e suas tecnologias. É nessa parte que o atônito leitor indagará “Mas o que cargas d’agua o Enem tem a ver com As Brumas de Avalon?”. Bem, nesse primeiro dia, uma das questões de Ciências da Natureza tratava de um fenômeno óptico em que um objeto no horizonte parece flutuar, graças à inversão térmica. O nome? Fata Morgana, referenciando a lendária meia-irmã do rei Artur e suas habilidades místicas de grã-sacerdotisa. Fiquei tão perplexa com a referência (acertei a questão, por sinal) que arranquei os quatro livros de minha estante - eu havia comprado a série inteira por 30 reais, em um golpe de sorte - e pus-me a lê-los ininterruptamente. Não me arrependi de modo algum.
As Brumas de Avalon traz um enfoque inusitado e inovador à já conhecida lenda do rei Artur e seus Cavaleiros da Távola Redonda, ao recontá-la da perspectiva feminina. Não me limito a citar apenas Morgana - uma protagonista que faz jus ao fato de ter batizado um fenômeno óptico com seu nome -, mas também Igraine, sua mãe, Morgause, sua tia, Viviane, a Senhora do Lago e, acima de tudo, Guinevere (no livro chamada de Gwenhwyfar), sua principal antagonista. Decidi fazer uma resenha geral da série - composta por A Senhora da Magia, A Grande Rainha, O Gamo-Rei e O Prisioneiro da Árvore - uma vez que as tramas dos quatro livros estão de tal forma condensadas que seria quase impossível desvinculá-los em quatro resenhas diferentes, tal é a interconexão e a grandiosidade da narrativa urdida por Marion Zimmer Bradley - por aqui já dá pra perceber que não vou poupar elogios quanto à saga, certo?
(...)
O maior trunfo da saga, além da narrativa fluida e envolvente, é o amplo leque de personagens, tanto masculinas, quanto femininas. Além de Morgana e Guinevere, também ganham destaque Viviane, Artur e Lancelote. Viviane, confesso, por vezes me irritou - em diversas ocasiões da história, ela demonstra não ter medo de interferir na vida pessoal daqueles que ama, para bem ou para mal; essa obstinação é bastante inescrupulosa; é quase como se Viviane fosse a personificação do Príncipe de Maquiavel, utilizando-se de todos os meios a seu dispôr para manter a ordem de Avalon. Artur, por sua vez, embora amado por seu povo, mostra ser bastante passivo à influência dos padres, bem como à de sua esposa, abalando o equilíbrio conquistado por seu pai, o Pendragon, ao priorizar o cristianismo. Lancelote, fiel cavaleiro de Artur, apaixonado por Guinevere e interesse amoroso de Morgana, é um homem atormentado psicológica e espiritualmente, cujos temores o acompanharão até o fim da trama. Eu poderia passar um dia inteiro descrevendo cada personagem criado por Bradley, pois são inúmeros, mas há um elo de ligação entre eles: as figuras masculinas, quase sempre orgulhosas, são constantemente controladas (e ofuscadas!) pelas figuras femininas, que os manipulam a seu bel-prazer de maneira irônica - tudo isso sem (quase) nunca sair das cortinas onde foram colocadas. O final dá conta de colocar cada uma dessas personagens no lugar, sendo belo e bem amarrado, sem deixar pontas soltas. Uma conclusão satisfatória e, ouso dizer, gloriosa para a série.
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