PorEssasPáginas 21/12/2013
A Cuca Recomenda A Aposta - Por Essas Páginas
Há muito tempo eu vinha querendo ler um livro da Vanessa Bosso. Ela é uma autora brasuca, simpaticíssima e batalhadora, que tem uma história de carreira inspiradora. Decepcionada com a publicação por uma editora que cobrava pelo serviço – existem algumas assim no mercado, vocês sabem quais são e eu também; não confio nelas, seja como leitora, blogueira ou escritora -, Vanessa resolveu jogar tudo para o alto e começou a publicar seus livros gratuitamente pelo Wattpad, apenas para ser lida. Os grandes números de visualizações, leituras e comentários despertaram a atenção da Amazon, que tinha acabado de entrar no Brasil, juntamente com seu serviço de auto publicação, o Kindle Direct Publishing (KDP). Vanessa acabou publicando seus livros por lá e foi um estouro. Agora ela é uma autora exclusiva da Amazon e está fazendo um super sucesso, inclusive aparecendo em listas dos mais vendidos. Por causa disso e porque ela é uma pessoa excepcionalmente gentil e simpática, eu queria muito ler algo dela. Mas acho que não comecei pelo livro certo – ao menos para mim. Em A Aposta, tive uma amostra do quanto a escrita da autora é habilidosa e viciante – e isso não se pode mesmo negar! – porém esse não foi um livro para mim, para o meu gosto. Querem saber porque eu vivi uma contradição lendo A Aposta? Descubram nessa resenha.
Primeiro, é importante se situar no universo desse livro. A Aposta é um livro adolescente. Extremamente adolescente. E é um livro para adolescentes ricos – ou pelo menos para quem gosta de se imaginar nesse universo. Eu não gosto, mas isso é problema meu. Esperem encontrar aqui os dilemas típicos dessa fase, mas esperem encontrá-los em um universo badalado e sofisticado. Sabem Malhação? Novela das oito? É por aí. Todo mundo é rico, bonito e perfeito. Não que isso seja um defeito generalizado, é apenas um problema para mim. Não consigo comprar essa atmosfera, ela é muito distante da minha realidade, há um abismo enorme entre a vida real de seres comuns como eu e o que é apresentado nesse livro. Consegui me identificar com alguma coisa no livro? Sim, algumas. Mas foram bem poucas. Talvez por isso mesmo a leitura não tenha me agradado. Talvez você, aí do outro lado da tela, consiga se identificar mais ou talvez se imaginar nesse mundo, mas eu não consigo.
Mesmo assim, continuei a ler. Como eu disse lá em cima, apesar de não ser meu estilo de livro, é inegável que a escrita da Vanessa é viciante. Há livros que você precisa se forçar a ler e há livros que você não consegue parar de ler. A Aposta está na segunda categoria. Apesar de me irritar muito durante a leitura com os personagens e as situações, ainda assim eu queria ler, ainda assim queria saber o final… ainda sim me divertia. Então sim, o livro cumpre com sua função: ele diverte.
Mas vamos à história: o livro é basicamente sobre a relação conturbada entre Nina e Lex. Nina é uma garota recém chegada à esse colégio chique de São Paulo, o Prisma. Primeiro cheiro de fanfic detectado: não sei se A Aposta algum dia foi uma fanfic, acho que não, não consegui encontrar nada nesse sentido, mas que o livro parece uma fanfic, parece e muito. Quem já leu fanfics vai perceber a semelhança. São alguns clichês de fanfic que você detecta logo de cara, logo ao se deparar com eles. Garota nova na escola é um deles. Garoto problema, gostosão e cobiçado por todas as outras garotas é outro. Um relacionamento explosivo entre os dois? Outro clichê. Muitas e muitas descrições super detalhadas sobre o que as pessoas estão vestindo, seus magníficos quartos (nesse livro há capítulos apenas para isso). Mas o fato é que essas combinações fazem sucesso e os leitores gostam. É divertido, simples assim.
Voltando à Nina. Ela é uma garota explosiva, de cabeça quente, conhecida por detestar qualquer pessoa que vista uma cueca. Ela tem um pé atrás com os homens que é explicado pelo seu passado e suas desilusões amorosas – e eu gostei dessas explicações. Gostei do backgroud que a autora deu à personagem, tornou-a mais humana, apesar de sim, ela ser linda, sexy, legal, quase perfeita. Mas ainda assim ela tinha esses defeitos que a tornaram mais real, e isso foi bom. Ela zoou com a cara das malvadonas, as Kibis – e já vou chegar nelas, pode deixar – e por isso elas a odiavam tanto, o que quer dizer que a Nina não era uma santa boazinha (e isso foi ótimo), nem uma menininha desamparada. Então não foi aquele ódio sem motivo, aquela maldade desvairada como a acontece, sei lá, na Malhação. Teve uma explicação. Mas ainda assim, lembra a novelinha. O meu problema foi que, algumas vezes, a autora desconstruiu a imagem durona da Nina e não de uma maneira natural. Uma das cenas, em que Nina é “salva” de um grosseirão em uma balada por Lex, como se ele fosse seu príncipe encantado, o cara forte que a protegeu… Ah, isso simplesmente me enervou. Não condizia com a personagem, que era o tipo de garota que chutava garotos no saco se eles se metessem com ela. Foi uma decepção para mim, logo de cara no livro, depois que a personagem foi construída por uma série de descrições e lembranças do seu passado. Aí eu já no começo do livro parei de simpatizar com a personagem principal. Muito chato isso.
Agora o Lex. Não gostei dele de jeito nenhum. Ele é aquele cara que anda sendo muito amado por aí nos livros New Adult. Ele é o cara perfeito, bonito, gostoso, gato, que chama a atenção de todas as meninas, que sempre anda sem camisa, que é descolado, amigo de todos os garotos – exceto os gordinhos que não populares, talvez. Ele causa confusão e costuma se safar delas. Ele é o alvo amoroso e obcessivo da Kibi (a vilã). Ou seja: ele é o tipo de cara atraente para algumas pessoas em um livro, e o tipo de cara detestável no ensino médio de verdade. Não sei vocês, mas eu era uma das nerds que esse cara simplesmente jogaria bolinhas de papel no meu cabelo e chamaria de nerd gorda, ou algo simpático do tipo. Então, não, desculpe, não consigo gostar desse tipo de personagem. Chamem-me de amargurada, mas é assim que são as coisas para muita gente. Mas até que gostei do Gancho, amigo dele, um cara que é quase do tipo dele, mas que é pirata virtual e tem o apelido do Capitão Gancho (e eu adoro o Hook, então, sim, eu amei a referência!).
E eis que a história gira em torno desses dois e da Grande Aposta (no colégio os caras costumavam lançar apostas se um garoto conseguiria conquistar uma garota; o tipo de lance infantil e machista que acontece nessa idade): Lex versus Nina. A garota, sabendo disso, lança uma contra-aposta com a qual pretende humilhar Lex: se ele conseguir conquistá-la durante a viagem de formatura, fazê-la se apaixonar por ele, ela pagará uma quantia enorme para ele consertar a moto. Caso contrário, ela receberá como pagamento a humilhação dele, apenas. Faz sentido? Na minha cabeça de vinte e tantos anos não. Mas na cabeça de adolescentes riquinhos, talvez.
Por isso o jogo de sedução ali da capa. O livro inteiro é um jogo, um caça de gato e rato, no qual Lex e Nina se provocam e o final, bem, vocês já sabem, é previsível. Eles vão cair em sua própria armadilha e se apaixonar. Claro que tem surpresas (algumas clichês) e muita intervenção da super vilã loira malvada e suas comparsas, as Kibis, como são chamadas. A maior vilã delas é Bárbara: para conhecê-la é só imaginar uma loira cruel adolescente da Malhação ou de Gossip Girl. Imaginaram? É igualzinha. Sim, ela vai ficar armando planos mirabolantes, criando situações e aprontando mil e umas para separar o casal e fazer Nina se dar mal. É bem por aí.
A narração é bem gostosa e talvez um dos pontos fortes do livro, pois a narradora é também uma personagem à parte. Ela não está na história, mas ela dá opinião, interage, fala com o leitor etc. Bem Gossip Girl, pelo que ouvi falar. Achei legal, no entanto. Foi uma das coisas que me fizeram progredir no livro. Os capítulos são curtos e incentivam o leitor a ler mais um, mais um, e quando você vê, está quase no final.
Uma coisa que eu detestei, no entanto, foi que o gordinho era: primeiro, o engraçadinho que aprontava pela escola, segundo, o virgem solitário que faria qualquer coisa por um beijo e capacho da vilã, terceiro, o garoto mau. Sei lá, senti aí um estereótipo, algo que me incomodou. Todos os garotos bonzinhos eram lindos, gostosos, estilo tanquinho. Mas o que não era legal era o cara solitário e gordinho. Sim, adolescentes são idiotas e cruéis, eles excluem esse tipo de pessoa. Você não é bonito, você merece ser zoado, vamos ser sinceros, é o que acontece nessa época. É a verdade. Mas nem por isso a pessoa se torna ruim e vingativa. Às vezes ela só se torna o seu chefe mais tarde, na vida adulta. O que eu quero dizer: nem por isso, por ser solitária e gordinha, uma pessoa é ruim. Beleza não é significado de bondade. Por um lado, Bárbara é linda e cruel. Mas não havia nenhum gordinho ou gordinha bonzinho, compreendem? Todos os “bonzinhos” eram lindos e perfeitos, esculturais. Sei lá, isso me incomodou. Essa não é a realidade. Você que está lendo aí do outro lado é lindo(a) de morrer? Pararia o trânsito, seria modelo de revista? Enfim…
Encontrei alguns problemas de revisão: nada enorme, mas algumas coisinhas que incomodaram. Em certo momento, por exemplo, a autora fala sobre o “embarque doméstico do aeroporto de Congonhas”, algo que é no mínimo redundante; todos os embarques de Congonhas são domésticos, ele não faz vôos internacionais. Há alguns problemas na edição, como por exemplo o fato de que o livro não tem o índice de conteúdos. Quem lê em e-book sabe: o índice é indispensável em um livro digital. Aconteceu que, enquanto lia esse livro, o aplicativo para celular do Kindle bugou e quando eu o abri novamente, o livro tinha voltado várias páginas. Sem o índice precisei virar várias e várias páginas, uma de cada vez. Algo cansativo que poderia ser facilmente resolvido com um índice. Fica a sugestão para uma segunda edição com ele.
O livro tem continuação, que já está em pré-venda: A Aposta 2. Sinceridade? Acho que não vou ler. Uma coisa boa é que o primeiro livro é fechado em si mesmo: tem começo, meio e fim, sem ganchos apelativos para outro livro. Gosto muito disso. Terminei de ler o primeiro livro e estou satisfeita, não preciso ler o próximo se não quiser.
A Aposta é um livro bem escrito e divertido, isso não se pode negar. Mas é um livro que abusa de clichês, um livro no qual seus personagens são quase uma caricatura de tão estereotipados. Às vezes a autora é tão exagerada nos clichês que você fica em dúvida se ela realmente está levando aquilo a sério ou se está ironizando o livro inteiro. De qualquer maneira, é uma leitura para passar o tempo, para ler na praia – como eu fiz – ou na piscina, um livro que você devora rapidinho, mas que não acrescenta muita coisa à sua vida. Talvez seja essa mesmo a intenção dele e eu estou apenas falando demais. Mas uma coisa boa ele fez por mim: ele me fez ter vontade de ler outros livros da Vanessa Bosso, livros que fujam à essa temática, talvez mais adultos. Porque quero conhecer melhor sua escrita e quero conhecê-la com um livro que seja mais profundo, que traga alguma mensagem e não seja mero divertimento.
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