Victoria (Vic) 03/02/2022EssencialNão tão impactante para mim quanto Carandiru e Prisioneiras, Carcereiros conta a história do outro lado da moeda: homens que se arriscam todos os dias, jogados muitas vezes sem preparo, no meio de um ambiente hostil e violento com regras próprias.
Nesse livro, vemos Drauzio mostrando seu lado mais humano, com pensamentos inevitáveis no meio de tanta maldade. Como diz ele: a violência é doença contagiosa. E contamina também os Carcereiros, com salários baixos, condições inóspitas de trabalho e saúde mental negligenciada, muitas vezes recorrendo ao álcool como conforto. Essencial para completar a trilogia, o livro tem força, mas perde um pouco em relação às histórias tão impactantes dos outros dois livros.
Tendo finalizado a trilogia, percebo o quanto essas leituras me marcaram e me mudaram. Sinto que não conhecia nem um pouco o sistema prisional, pois como o próprio autor fala, o mesmo é escondido da sociedade, varrido para debaixo do tapete. Refleti sobre o quanto temos um grave problema, muito pior do que eu imaginava, de superlotação de presídios e falta de controle do Estado, que perde para os próprios criminosos dentro das unidades penitenciárias. É nítido ver como estamos em uma sociedade que valoriza apenas a punição e o afastamento social, mas nega os fatores que levam à violência, e fecham os olhos para a impossibilidade de manter todos presos e ainda reabilitá-los, objetivo ainda longe no nosso país. Como é simplório o pensamento de "bandido bom é bandido morto", que ignora todas as raízes de desigualdade social, pobreza, falta de planejamento familiar e descaso do Estado com as camadas mais marginalizadas da sociedade, fatores comuns entre a maioria dos presos efetivos (já que muitos de maior poder aquisitivo muitas vezes não são encarcerados). A visão de que criminosos hediondos e psicopatas dominam as cadeias é errônea, e ignorar que as próprias cadeias servem como escola e pós-graduação em crime, onde um traficante de pequena monta e assassinos convivem, é inocente.
Drauzio Varella me inspira como ser humano e como futura médica. Em nenhum momento ele nega que existe crueldade, violência, pessoas más e a necessidade de um sistema prisional. Mas pontua a injustiça, hipocrisia social e pensamento punitivo sem reabilitação que permeia o Brasil desde os tempos do Império. Termino de ler os livros com mais perguntas do que respostas e recomendo profundamente essas reflexões para cada um dos brasileiros.
"O lema 'lugar de bandido é na cadeia' é vazio e demagógico. Não temos nem teremos prisões suficientes. Reduzir a população carcerária é imperativo urgente. Não cabe discutir se somos a favor ou contra: não existe alternativa. Empilhar homens em espaços cada vez mais exíguos não é mera questão de direitos humanos, é um perigo que ameaça a todos nós. Um dia eles voltarão para as ruas." (p. 201)