spoiler visualizarAna 14/10/2022
Caderno de anotações
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- Minha mãe me explicou tudo depois que você foi embora. Teve que explicar. Eu não entendi uma só palavra do que você tinha dito.
- Você deveria ter aprendido alemão com sua mãe.
- Qual era a importância disso? Antes de você sair da loja eu já sabia que nos casaríamos um dia. Teríamos todo o tempo do mundo para conversar.
- Você sempre diz isso, mas não é verdade. Você mal olhou para mim.
- Não consegui olhar. Você era a garota mais bonita que eu já tinha visto. Era como tentar olhar para o sol.
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- Está bem - cedeu. - Eu vou.
E, embora não soubesse disso naquele momento, quando pensasse no passado sempre se lembraria de que tinha sido assim que tudo começara.
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- Por que você está tão interessada? - retrucou.
- Não sei - disse Sophia - Talvez porque esse seja um mundo do qual não sei nada. Ou porque eu seja naturalmente curiosa. Ou esteja apenas puxando assunto.
- Qual dessas é a resposta certa?
- Eu poderia lhe dizer - disse ela, com ar travesso, os olhos verdes sedutores ao luar. - Mas qual seria a graça? O mundo precisa de um pouco de mistério.
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- Mas éramos estranhos de novo - diz Ruth. - Demorou um pouco para a conversa se tornar fácil, como no verão anterior. Até a caminhada para casa, eu acho.
- Eu estava bancando o difícil.
- Não, estava sendo você mesmo - diz ela. - No entanto, não era você. Tinha se tornado um homem no ano em que ficamos separados. Chegou a pegar a minha mão quando me levou até a porta, algo que nunca tinha feito. Eu me lembro porque isso fez meu braço formigar. Então você parou, me olhou e eu soube exatamente o que ia acontecer.
- Eu lhe dei um beijo de boa-noite.
- Não - diz Ruth, sua voz assumindo um tom sedutor. - Sim, você me beijou, mas não foi só um beijo de boa-noite. Mesmo naquela época, pude sentir nele a promessa de que você me beijaria assim para sempre.
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- Nunca usei botas de caubói - disse, olhando para seus pés. - Como estou?
- Parece alguém usando botas.
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- Gostei das botas e do chapéu. São confortáveis. Acho que deveria agradecer à sua mãe. Onde ela está?
- Ela está na casa principal. Mas posso dar o recado a ela mais tarde.
- O quê? Você não quer que eu a conheça?
- Não é isso... Ela está um pouco zangada comigo.
- Por quê?
- É uma longa história.
Sophia ergueu a cabeça para ele.
- Você disse a mesma coisa na noite passada quando eu lhe perguntei por que montava touros - observou. - Acho que você diz "é uma longa história" quando na verdade quer dizer "não quero falar sobre isso". Estou certa?
- Não quero falar sobre isso.
Ela riu, corando de prazer.
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- Todos cometem erros - disse Luke. - Quantos idiomas você fala?
- Quatro - respondeu Sophia, empurrando para cima a aba de seu chapéu do mesmo modo como ele fizera. - Mas isso inclui o inglês.
- Eu falo um e isso inclui o inglês.
Sophia sorriu, gostando do comentário de Luke. Gostando dele.
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- Então ligue para ele. Convide-o para vir aqui antes de viajar.
Sophia negou com a cabeça.
- Não vou fazer isso.
- E se ele não telefonar para você?
- Ele disse que telefonaria.
- Muitas vezes os homens dizem isso e nunca mais se tem notícias deles.
- Luke não é assim - rebateu Sophia.
Como se para provar o que estava dizendo, seu celular começou a tocar. Reconhecendo o número de Luke, ela o pegou e pulou da cama.
- Não me diga que já é ele.
- Ele disse que ligaria para saber se cheguei bem em casa.
Sophia já estava saltitando para a porta, deslizando para o corredor, mal notando a surpresa de Marcia ou as palavras que ela murmurava para si mesma:
- Eu realmente tenho que conhecer esse cara.
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- Quer dizer que você o cria desde pequeno, lhe dá um nome, cuida dele por um ano e depois o vende para ser morto?
Luke olhou para ela, com uma expressão curiosa.
- O que mais você faria com um porco?
Sophia ficou pasma, incapaz de responder. Por fim balançou a cabeça.
- Só quero que saiba que eu nunca conheci alguém como você.
- Acho que posso dizer o mesmo sobre você - retrucou ele.
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- É lindo aqui - sussurrou Sophia.
Luke sentiu que a mesma palavra poderia ser usada para descrevê-la, mas guardou os pensamentos para si.
- É como a clareira no rio - acrescentou Sophia. - Só que mais aberto.
- De certo modo- disse Luke. - Mas tendo a ir para lá quando quero pensar no meu pai. Este lugar é para onde venho pensar em outras coisas.
- Como o quê?
- Muitas coisas - respondeu ele. - Vida. Trabalho. Relacionamentos.
Sophia o olhou de esguelha.
- Achei que você não havia tido muitos relacionamentos.
- É por isso que tenho que pensar neles.
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- Então, do que vocês estavam falando? Lá de fora, tive a sensação de que a conversa era séria.
- Estávamos falando de você - disse Linda, virando-se com uma tigela em cada mão.
- Espero que não - retrucou ele. - Não sou tão fascinante assim.
- Sempre há esperança - brincou a mãe, fazendo Sophia rir.
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Enquanto o fogo queimava, as palavras de Marcia continuavam a perder importância, até que Sophia já não se lembrava delas. Independentemente de as coisas estarem indo rápido demais ou não, gostava de Luke e de cada minuto que passava com ele. Não estava apaixonada, mas ao sentir o peito dele subir e descer suavemente, achou muito fácil imaginar que seus sentimentos logo poderiam começar a mudar.
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Luke puxou sua cadeira para mais perto e foi fácil para Sophia imaginá-los sentados juntos em mil outras noites como aquela.
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É estranho, penso, o que nossas vidas se tornam. Momentos circunstanciais, quando mais tarde combinados com decisões e ações conscientes e uma boa dose de esperança, podem enfim criar um futuro que parece predestinado.
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Gostaria de ter talento para pintar o que sinto por você, porque minhas palavras sempre parecem inadequadas. Imagino usar vermelho para sua paixão e azul-claro para sua bondade; verde-floresta para refletir a profundidade de nossa empatia e amarelo-vivo para nosso persistente otimismo. E ainda me pergunto: a paleta de um artista pode captar tudo que você significa para mim?
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- Se nós não tivéssemos nos conhecido, acho que eu teria compreendido que minha vida não estava completa. E teria perambulado pelo mundo à sua procura, mesmo se não soubesse o que estava buscando.
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Para Ira, Ruth significou tudo, e, na escuridão silenciosa, Luke imaginou Sophia dormindo na cama dele, seus cabelos dourados espalhados sobre o travesseiro.
Afinal, Sophia era o verdadeiro tesouro que havia descoberto nesse ano e valia mais para ele do que todas as obras de arte do mundo. Com um sorriso, Luke sussurrou na escuridão:
- Eu entendo, Ira.
E quando uma estrela cadente cruzou o céu, teve a estranha sensação de que Ira não só o ouvira, como sorria em aprovação.
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