Natasmi Cortez 11/01/2024Fui atropelada pela escrita, pela história e pela experiência. Não adiantou ter lido a sinopse, ou ter lido as resenhas, parece que nada me preparou para lidar de frente com a leitura desse texto. Como barro nas mãos do oleiro, a autora me conduziu, me seduziu e me iludiu. Me vi perdida em emoções, entre perplexa e indignada, eu ainda encontrava motivos para me sentir culpada.
O livro possui muitas camadas e poderia ser analisado de muitas formas e é justamente a complexidade dessas interpretações que fazem de A vegetariana, um acontecimento na vida do leitor. Pode ser lido como uma metáfora, pode ser lido como uma crítica social, pode ser lido como uma simples ficção. O jogo mental criado pela autora durante a narrativa é extraordinário. A história acontece dentro de você de formas inimagináveis.
Na superfície da trama somos apresentados á uma mulher que da noite para o dia decide parar de consumir carne. Sob o olhar de três narradores vamos acompanhando a trajetória de Yeonghye rumo à libertação.
“Então, para que ter uma mulher?” Questiona com indignação o marido de Yeonghye quando ela para de cozinhar carne nas refeições e se recusa a trans@r com ele.
“Então, para que serve essa mulher?” Questiona com desejo o cunhado de Yeonghye quando se vê completamente obcecado pelo corpo dela e pela utilidade desse corpo ao seu trabalho artístico.
“Então, é pra isso que serve uma mulher?” Questiona com tristeza a irmã de Yeonghye quando cuida dela no hospital e tenta desesperadamente entender tudo que aconteceu.
É emblemático de Yeonghye não tenha voz em sua própria história. Ninguém dá a ela esse direito, ninguém pergunta, ninguém escuta. O que o leitor possui são apenas interpretações que outros personagens fazem dessa mulher: esposa inútil, cunhada desequilibrada e irmã sacrificada.
Enquanto ficção, o livro é perturbador. Mescla e um mesmo texto, beleza, erotismo e horror. Mostra a decadência mental de uma dona de casa e o quanto essa circunstância interfere na vida de seus familiares.
Enquanto metáfora, o livro é genial. Uma mulher sem voz, ousa seguir suas próprias vontades e nesse processo revela um ambiente familiar tóxico e opressor. Yeonghye busca a liberdade dos tradicionais papéis de gênero e por todos os lados é atacada com violência.
Enquanto crítica social, o livro destrincha a objetificação do corpo feminino e expõe a brutalidade de um sistema patriarcal adoecedor.
Da experiência de leitura, o que mais me traumatizou, foi ter sido tão ludibriada pela narrativa do cunhado. O texto é tão artístico que parece transcender tudo mais ao redor, tornando palatável até mesmo o abuso. Não é explícito, é mascarado por beleza, luzes e cores. E daí adveio a culpa. Pensei que a libertação de Yeonghye incluída uma espécie de exploração do próprio corpo de uma forma nova, com um interesse genuíno seu. Eu acreditei nisso. O maldito cunhado me fez acreditar nisso. Precisou que a última narradora falasse com todas as letras para que eu entendesse o que tinha acontecido. E que amargo é ser enganado dessa forma.